quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Vinte perguntas [e respostas] sobre a Corte de Haia

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Carlos A. Lungarzo

São Paulo, 20/09/2011

Num artigo publicado ontem, Celso Lungaretti chama a atenção sobre o fato de que até a grande imprensa brasileira deve reconhecer as difíceis possibilidades de sucesso do Estado Italiano numa eventual ação na Corte de Justiça da Haia contra o Estado Brasileiro. Este assunto tem grande importância, pois a maioria de nós tivemos conhecimento do funcionamento dessa Corte há apenas algum tempo, quando começou o caso Battisti. Pensei, então, que seria útil dar uma forma tipo “perguntas e respostas” a alguns aspectos básicos sobre este assunto, para esclarecer um pouco a outros leitores (com perdão da pretensão).

1. O que é o Tribunal Internacional de Haia?

O Tribunal ou também Corte Internacional de Justiça de Haia (CIJ) é o principal órgão judicial das Nações Unidas, que começou a funcionar em 1946, na cidade de Haia, Holanda, com o objetivo de resolver conflitos entre estados.

2. Tem algo a ver com o Tribunal Penal Internacional?

Essa confusão é muito frequente. A Corte Penal Internacional está também em Haia, mas foi fundada em 2002, e cuida de ações contra pessoas físicas, em casos de crimes contra humanidade. Ela pode aplicar penas de prisão como um tribunal comum, desde que o país em que se encontra o réu colabore com a Corte.

3. Como funciona a CIJ?

Nos casos contenciosos, a Corte atua por pedido de algum estado e o demandado só pode ser outro estado. O estado demandante apresenta sua queixa, que é estudada pelos juízes. A Corte produz uma espécie de “sentença”, que, teoricamente, tem carácter obrigatório. A força que faz cumprir as decisões da Corte em casos de contenciosos (que seria equivalente à polícia na justiça doméstica) é o Conselho de Segurança da ONU.

A Corte também pode produzir opiniões consultivas, na qual os juízes dão um parecer sobre certos problemas, que em sua maioria são de caráter geral e nem sempre específicos de uma situação concreta, que envolvem as relações entre estados. As opiniões consultivas só podem ser pedidas pela ONU e suas agências, e não são de cumprimento obrigatório, mas constituem pareceres técnicos que podem influir na maneira em que a ONU trata um problema.

4. Hmmm... É muito complicado. Poderia dar um exemplo de cada caso, de um contencioso e de uma opinião consultiva?


CONTENCIOSO: Reclamação da Nicarágua contra os EEUU, por ter invadido seu país com forças militares e paramilitares. Caso: Nicarágua vs. EEUU, 1989, Relatórios da CIJ 14, pp. 158-160. Os EEUU foram condenados e, em vez de acatar, boicotaram o tribunal.

OPINIÃO CONSULTIVA: Opinião de como devem ser interpretadas as condições da Carta da ONU, artigo 4º, para a admissão de novos estados. 28 de maio de 1948.
Como se pode ver, esta opinião consultiva não trata de um assunto litigioso, não é emitida por ação de nenhum estado e só interessa à própria ONU.

5. Alguns magistrados e ex-magistrados, diplomatas, especialistas em relações internacionais, etc., dizem que a resolução de um contencioso demora muito, mas que, no caso Battisti, a CIJ poderia dar uma opinião consultiva, que é rápida. É assim?

As opiniões consultivas demoram muito menos, isso é verdade, mas eu não consigo imaginar o que seria uma opinião consultiva neste caso. Seria dizer à ONU que nenhum estado, no futuro, deve dar refúgio a um escritor de 56 anos cujas iniciais sejam CB?

6. Que tipo de contenciosos trata a CIJ?

Desde sua fundação, predominam os problemas de fronteiras, navegação aérea, uso de águas e recursos minerais, ocupação de territórios por tropas estrangeiras, crimes não tratados pelo Tribunal Penal, exigências de indenizações, conflitos de meio ambiente, como o atual entre a Argentina e o Uruguai.

O primeiro de todos, em 1946, foi uma reclamação britânica contra Albânia, pedindo indenização porque um navio seu foi atingido por minas submarinas. Um caso recente típico foi a construção do muro da Palestina por Israel.

7. Quantas vezes a CIJ tratou, nestes 65 anos de vida, um caso de extradição?

Uma. Bélgica pediu em 2009, que Senegal entregasse Habré, o ex-presidente do Chad por crimes contra a humanidade. O pedido foi derrotado por 13 a 1.

8. Qualquer país pode pedir uma ação contra qualquer outro?

Não. Se um estado quiser demandar outro, ambos devem estar sob a jurisdição da CIJ. Isto se consegue de três maneiras: (1) Pela existência de um acordo preexistente de que ambos reconhecem a CIJ como árbitro. (2) Quando, faltando esse acordo, o estado demandado decide se submeter voluntariamente. (3) Quando, existindo um Tratado Bilateral relativo ao caso em apreço (por exemplo, aqui, é o tratado de extradição Brasil-Itália), esse tratado contém uma cláusula que diz “Qualquer aspecto não definido neste tratado, será submetido à CIJ, etc.”.

9. Em qual dos casos estão o Brasil e a Itália?

Não estão no caso (1) nem no caso (3). O caso (2) depende de que, dentro de certo prazo, o Brasil decida se submeter voluntariamente. Mas, se o Brasil decidisse aceitar isso, teria aceitado, com maior razão, a arbitragem proposta pela Itália segundo a Convenção Fernandes-Forlani. Então, o Brasil e a Itália não estão em nenhuma dessas condições.

10. Mas, então, como a Itália poderá apresentar um requerimento contra o Brasil?

Teoricamente, o pedido da Itália deveria ser arquivado imediatamente após de protocolado. Seria totalmente irregular que a Corte aceitasse analisar, mesmo preliminarmente, esta queixa da Itália, mas, pode existir uma probabilidade ínfima de que, com algum pretexto que não consigo imaginar, seja submetida a consideração.

11. Que acontecerá então?

Como o Brasil não está na mesma jurisdição, o estado brasileiro ignorará a convocatória, como fez com a recente pretensão da Itália de aplicar a Convenção de Fernandes-Fornari.

12. E se o processo começasse, ou seja, se a CIJ desse um jeito para processar o Brasil?

Na situação atual isso não parece possível. Seria como julgar o Brasil à revelia, algo que é moda na Itália, mas não no resto do mundo.

13. Mas, supondo que, por algum motivo, Brasil comparecesse... o que aconteceria?

Não creio que nenhum país se submeta voluntariamente a esse tipo de humilhação, muito menos após o discurso da chefe de Estado na ONU, mas vamos fazer um modelo teórico imaginário.

O plenário da CIJ analisaria o pedido da Itália de obrigar o Brasil a entregar Battisti e decidiria (com estas ou outras palavras, não podemos saber de antemão), que o assunto não viola nenhum direito do demandante, e que a retenção do perseguido foi determinada pelo chefe de estado, aprovada pelo STF no dia 08/06/2011, e que não é um caso de Direito Internacional.

14. Haveria unanimidade para este tipo de decisão?

É impossível saber agora, mas é provável que sim. Países como a Alemanha, que têm também uma política semifascista, praticam hoje um sistema repressivo mais discreto e de menor impacto que a Itália, e nada ganhariam com tornar-se marionetes de um estado mafioso-fascista-stalinista, e, como se isto fosse pouco, ainda corrupto e economicamente falido. O governo conservador francês está tentando que se esqueça a suja atitude de Chirac quando assinou a extradição autorizada pelo Conselho de Estado. Os EEUU e o RU sabem muito bem que Battisti nada tem a ver com terrorismo. Ambos estão preocupados pelo terrorismo real, e não pelos sonhos de vendetta de seus aliados. Mas, na pior das hipóteses, não haveria suficientes votos a favor.

15. Qual seria o fundamento para que a CIJ rejeitasse liminarmente a apreciação deste caso?

Para ser tratado sob o direito internacional, um conflito deve mostrar que o estado demandante possui algum indício de ter sido prejudicado, ou que o caso tem repercussão geral, porque implica algum risco para os princípios básicos da ONU. É claro que uma vingança particular não coloca em risco a paz mundial, nem coisas semelhantes. A perseguição contra Battisti é parecida com a condenação de Salman Rushdie pelo Irão em 1989, uma questão de rancor pessoal que, no caso de Rushdie era teológica, e no caso Battisti, é também mística, mas vinculada a um ressentimento de vendetta.

Além disso, o caráter jurídico da questão está encerrado. Mesmo que o STF cometesse um abuso ao pretender questionar o direito do chefe de estado a decidir em assuntos internacionais (uma intenção que fracassou 5 a 4 em 12/2009), de fato, o tribunal acabou reafirmando o direito que Lula já tinha, como tem qualquer chefe de estado num país “normal”. Finalmente, o abuso ainda mais espantoso de tentar deturpar a decisão final do governo, foi derrotado também em 08/06, por 6 a 3.

O Brasil não sequestrou nenhum cidadão italiano, nem violou os direitos do país. Qualquer juiz que vote a favor deveria reconhecer que a vingança é um direito dos estados e deveria ser respeitado. Mas não imagino nenhum dos juízes atuais capazes de dizer isso. (Há alguns anos, talvez o representante brasileiro teria apoiado esse entendimento, mas não o atual representante, que é especialista em Direitos Humanos).

16. Então, alguns experts em relações internacionais, juristas, políticos, etc., que dizem que Brasil vai perder, estão errados?

Se eu aprendi bem o português, erro significa o mesmo que em espanhol: um desvio involuntário e acidental da verdade, como “erro de cálculo”, “erro de pontaria”, etc. Mas essas opiniões não têm nenhum componente acidental. São bem planejadas e premeditadas, e seus autores devem estar “espiritualmente” gratificados.

17. Suponhamos o impossível: que o Brasil perdesse. Como faria a Itália para que o Brasil obedecesse?

Se a Itália ganhasse, não poderia obter Battisti de volta por vontade do governo. Nenhum governo se submeteria a essa humilhação. Então deveria pedir à CIJ que mobilize sua “polícia” que é o Conselho de Segurança. Suponhamos que (1) a Itália obtivesse a maioria de votos no CS, (2) que, além disso, nenhum membro permanente use seu direito de veto. Então, o CS poderia atuar. O que significa isto?
O Conselho de Segurança para fazer cumprir a ordem em favor da Itália, deveria mandar uma força multinacional para invadir o Brasil e capturar Battisti. Será que alguém leva isto a sério?

18. Como é a composição da CIJ atualmente?

Brasil, com o jurista Cançado Trindade, especialista em Direitos Humanos. Os outros: Japão, Eslováquia, Serra Leoa, Jordânia, Alemanha, França, México, Marrocos, Rússia, Somália, Reino Unido, China, Estados Unidos.

19. Battisti teve seus direitos negados na Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH), mas todos os juristas sérios têm certeza de que isso não acontecerá na CIJ. Isso significa que o senso de justiça na CIJ é maior que na CEDH?

Seria um pouco temerário usar palavras grandiosas como “senso de justiça”. As instituições estão ao serviço dos estados e, portanto, das elites que os governam. Deixemos o caráter sagrado da justiça para os teólogos. Entretanto, há diferenças fundamentais entre ambos os casos.

A CEDH rejeita 96% ou mais das petições. Aceita apenas as que são úteis aos governos. Então, não custava nada colocar Battisti nesses 96%. Fora da esquerda francesa, poucos repararam nisso. Na Haia, se houver um julgamento, será algo público e muito acompanhado pela opinião mundial, já que os casos que a CIJ julga são poucos. Qualquer arbitrariedade seria um escândalo.

Além disso, ignorar um pedido justo, como fizeram com Battisti na CEDH, é muito menos violento e escandaloso que aprovar uma condena injusta, que, aliás, prejudicaria o estado brasileiro como pessoa jurídica, e o atual governo. É uma medida que só tomariam em caso extremo... talvez, se o finado bin Laden estivesse no Brasil.

Além disso, percebam que o STF está começando a mudar, e haveria apenas dois ministros para “torcer” pela Itália. Eles eram os donos da Corte brasileira, mas não poderiam influir na justiça internacional.

Finalmente, sem falar de “espírito de justiça”, podemos dizer que os interesses da CIJ são diferentes dos da CEDH. Os tribunais europeus estão interessados em perseguir todo aquele que discorde com o atual modelo que, salvo em alguns países, é antipopular, racista, xenofóbico, conservador, e viciado em perseguição de imigrantes e em refoulement.

Os países reunidos na Haia têm interesses regionais, econômicos e políticos diversos, alguns deles em confronto com os países coloniais. Na Europa, rejeitar um caso de direitos humanos é rotina, pois os governos vivem fazendo isto. Já para a CIJ, aceitar a pretensão da Itália seria tornar-se procurador de uma vingança cuja sede de sangue é difícil de entender fora do círculo fascista-stalinista. O que significa esta história de Battisti para o representante de Serra Leoa ou do Japão? Por que um juiz internacional se meteria em tamanha encrenca e colocaria seu país em tal ridículo??

20. Será que a Itália vai mesmo à Haia?

Essa é uma grande pergunta, mas deveremos esperar o prazo estipulado por Frattini. Não podemos saber antes. A Itália e seus subservientes no Brasil pensam que Roma ainda é a capital do mundo como no século 1º, e que o 95% da humanidade é católica, mas pode haver alguns líderes italianos que saibam que a história mudou por volta de 1400, e que não adiantará muito uma bufonada desse tamanho.

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Carlos Alberto Lungarzo foi professor titular da UNICAMP até aposentadoria e milita em Anistia Internacional (AI) desde há muitos anos. Fez parte de AI do México, da Argentina e do Brasil, até que esta seção foi desativada. Atualmente é membro da seção dos Estados Unidos (AIUSA). Sua nova matrícula na Organização é de número 2152711.

Carlos A, Lungarzo colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

Para se comunicar com o autor, escrever a carlos.lungarzo@gmail.com

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quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Moradores da Ajaylat: “Sabemos onde está Kadafi. Ele está em nossos corações!”

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Sentados em um tapete sob a sombra de uma árvore, alguns líbios bebem o chá árabe e conversam distraidamente. Respondendo a pergunta de um jornalista norte-americano, um homem diz que sabe onde está Muamar Kadafi hoje - e onde ele sempre estará: "Ele está em nossos corações", dizem, quase em uníssono os líbios, batendo a mão direita ao peito, em sinal de amizade e respeito, conforme a tradição árabe .

Duas semanas atrás, em quase todas as casas na cidade de Ajaylat, uma cidade a cerca de 50 quilômetros a oeste de Trípoli, tremulava a bandeira verde da Líbia de Kadafi. Hoje, as bandeiras foram todas retiradas, mas as bandeiras dos rebeldes tricolor estão colocadas apenas em alguns dos prédios do governo.

Nos muros e paredes, jovens pintaram grafites pró-Kadafi, e até agora não foram substituídos com slogans dos rebeldes. Nas lojas as persianas verdes ainda estão em maioria, e - ao contrário de outras cidades do leste -, ninguém parece estar à procura de tinta vermelha e preto, cores rebeldes, para convertê-los ou para agradar os bandos armados que patrulham a cidade.

"Nesta área, apenas cerca de 5 por cento das pessoas são contra Kadafi", disse Khamis, um empresário de 45 anos de idade, que como muitas pessoas aqui preferiu não dar seu nome de família, para que pudesse falar mais livremente e não sofrer perseguição dos rebeldes. "Noventa e cinco por cento são pró-Kadafi. Mas no momento estamos em nossas casas, preocupados e com medo sobre o que está acontecendo. Nosso país está sendo bombardeado por uma força terrível."

Ajaylat foi ocupada por rebeldes líbio no início de setembro, cerca de 10 dias após a ocupação de parte de Trípoli. Os rebeldes formaram um conselho para a cidade e dizem que estão trabalhando duro para ganhar a confiança das pessoas.

Mas o apoio a Kadafi e seu governo são quase unânimes aqui - vários altos funcionários do governo vivem em Ajaylat, uma cidade conservadora, onde a comunidade é muito unida e menos cosmopolita do que outras vilas e cidades ao longo da costa, onde a rebelião prosperou graçasao apoio dos governos estrangeiros – EUA, França e Inglaterra. E a maneira como se comportaram os combatentes rebeldes quando invadiram a cidade não fez nada para ajudar a sua causa. Residências de alguns simpatizantes do líder Kadafi foram saqueadas ou queimadas, as armas foram apreendidas sob mira de armas, e carros foram confiscados pelo “novo governo”, dizem os moradores. Na verdade, estão roubando os bens e propriedades dos moradores nativos.

"Esta não é uma revolução pacífica", disse Khalifa Omar Musbah, um agricultor de 61 anos que diz que seus dois filhos foram mortos quando se recusaram a entregar as armas. "A revolução deve ser pacífica e trazer um melhor sistema de governo, não apenas as armas. Ninguém conquista uma cidade roubando os moradores."

Os problemas dos rebeldes na conquista da cidade de Ajaylat são um microcosmo dos problemas ainda maiores que estão por vir, na conquista das fortalezas pró-Kadafi em Sirte, Walid Bani e Jufrah, a leste de Trípoli.

Na quinta-feira, em Bani Walid, partidários de Kadafi dispararam pelo menos 10 foguetes em direção a linhas rebeldes, que foram obrigados a recuar. Os rebeldes que têm convergido para Bani Walid dizem ter encontrado um número muito grande de combatentes pró-Kadafi, possivelmente comandados por um ou dois de seus filhos.

Enquanto a mídia ocidental se preocupa em descobrir “onde está Kadafi”, a Otan continua bombardeando a cidade de Sirte, assassinando centenas de civis indefesos, diante do silêncio hipócrita e criminoso da ONU e dos governos envolvidos no atual genocídio na Líbia. Ver fotos no site http://libyanfreepress.wordpress.com/photos/nato-crimes-pic-1/

Desmentindo as notícias publicadas na mídia ocidental, o líder Muamar Kadafi emitiu outra mensagem desafiadora para um canal de televisão síria, prometendo permanecer na Líbia para lutar até libertar o país da ocupação da Otan, chamando seus adversários de "mercenários, bandidos e traidores", e descartando relatos de que ele estava fugindo em direção a estados africanos vizinhos.

"Estamos prontos para começar a luta em Trípoli e em todo lugar, em todas as cidades, vilas e aldeias da Líbia", disse Kadafi na mensagem. "Todos esses vermes, ratos e mercenários, eles não são líbios, perguntem a qualquer um. Eles são colaboradores da Otan para promover genocídio na Líbia e roubar as riquezas naturais do nosso povo".



Publicado no site http://www.amarchaverde.blogspot.com/

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sábado, 27 de agosto de 2011

Deu na Folha de Japi






O vereador Durval Orlato (PT) denunciou recentemente uma situação que, segundo ele, afeta quase mil famílias espalhadas por Jundiaí que obtiveram suas casas em programas habitacionais resultantes de planos de reurbanização de favelas. Por não conseguirem pagar a taxa mensal em certo momento do contrato, recebeam uma ameaça formal, por meio de uma carta da FUMAS (Fundação Municipal de Ação Social), que promete uma pressão por parte da Prefeitura no caso da persistência da dívida.

Segundo a denúncia, alguns dos projetos de reurbanização – como no caso da Favela da FEPASA -, ocorreram após muita pressão popular, nas quais foram feitas passeatas em direção à Prefeitura na década de 1990. “Eu e minha esposa atuávamos nas pastorais que davam suporte nessas comunidades, então, participamos de todas as ações de reivindicação de moradia digna para aquelas pessoas”, afirma Orlato.

Uma mãe de quatro filhos, que atualmente está desempregada e pede para não ser identificada com medo de sofrer represálias, procurou Orlato solicitando ajuda, pois não consegue pagar pela casa que recebeu no plano, em contrapartida ao seu “barraco” que foi destruído pela prefeitura. Naquele momento, essa senhora – como todos os beneficiados -, descobriu que deixou de ser proprietária para se tornar permissionária. Ou seja: enquanto a dívida não é quitada pelo proprietário, o imóvel passa a pertencer à Prefeitura.

Somente na FEPASA (a primeira favela a ser reurbanizada em Jundiaí) são quase 350 famílias nesta condição, o restante está dividido entre os complexos habitacionais do Engordadouro, Vila Esperança, Vila Padre Renato, Vila Ana, entre outros. A falha do processo, para Orlato, esta no contrato. “Cada família só teria direito a casa depois de pagarem tudo, durante 20 anos, mas se depois de alguns anos a família ficasse inadimplente, seria intimada e despejada - com medidas judiciais promovidas pela Prefeitura. E o dinheiro pago dos anos anteriores ao despejo não seria ressarcido. As famílias saem da condição de posse garantida da sua casa e viraram inquilinas”, denuncia.

O vereador petista diz que as medidas da Prefeitura são irregulares e mostram falta de planejamento urbano na cidade. “Existe um conceito de Regularização Fundiária que nada mais é que um conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam a regularização de assentamentos irregulares e a posse de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Ademais, após certo tempo de moradia, o ocupante não pode ser removido”, argumenta.

A Prefeitura, por meio de nota, informou que a lei de responsabilidade fiscal impede que seja feita doação do imóvel. A nota também afirma que antes da entrega dos imóveis são realizadas reuniões com os beneficiados para esclarecer os termos dos contratos.

E diz que, quanto aos inadimplentes, a FUMAS oferece diversas formas de solução. “Existem diversas negociações para que o permissionário possa quitar suas dívidas, que é chamado para negociar o valor em aberto quando é registrado o terceiro mês consecutivo de falta de pagamento. A reintegração de posse é o último recurso utilizado, que só é colocado em prática quando são esgotadas as possibilidades de renegociação”, afirma a nota da Prefeitura.

Leia também: Quem vence na Líbia? O “povo”? Os “rebeldes”?




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terça-feira, 23 de agosto de 2011

Reformas reforçam o socialismo “sui generis” de Cuba

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Max Altman

Entrevista especial com Max Altman

A análise da realidade econômica impôs a Cuba mudanças na condução da economia nos próximos anos. O preço elevado das commodities no mercado internacional e a precariedade da produção agrícola interna fizeram o governo repensar medidas adotadas há mais de 50 anos. Entre os meses de dezembro de 2010 e fevereiro de 2011, mais de oito milhões de cidadãos cubanos debateram as reformas econômicas e discutiram sobre o futuro da ilha. “Foi um verdadeiro e amplo exercício democrático. O povo manifestou livremente suas opiniões, esclareceu dúvidas, propôs modificações, expressou suas insatisfações e discrepâncias e também sugeriu abordar a solução de outros problemas”, comenta o jornalista Max Altman em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail.

Na opinião de Altman, “as reformas aprovadas no VI Congresso do Partido Comunista de Cuba e aprovadas pela Assembleia do Poder Popular visam reforçar o socialismo em Cuba” e, se forem “implementadas firmemente” terão impacto social positivo. “Com a autonomia das empresas, com a melhoria da gestão, com o crescimento da produtividade, com a colocação de mais e mais diversificados produtos no mercado, certamente haverá aumento salarial e o poder aquisitivo das famílias”, avalia.

Max Altman é jornalista, estudioso das questões internacionais, membro do Coletivo da Secretaria Nacional de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores, coordenador geral do Comitê Brasileiro pela Libertação dos 5 Patriotas Cubanos.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Cuba rendeu-se à economia de mercado, ao capitalismo?

Max Altman – Longe disso. As reformas aprovadas no VI Congresso do Partido Comunista de Cuba e aprovadas pela Assembleia do Poder Popular visam reforçar o socialismo no país. Lembro que no encerramento do citado congresso, o presidente Raúl Castro reafirmou a determinação do governo de Cuba e dele próprio, como sua última tarefa, compromisso de honra e sentido de vida, de defender, preservar e prosseguir aperfeiçoando o socialismo e não permitir jamais o regresso do regime capitalista.

IHU On-Line – Como as ideias de elaborar reformas econômicas foram amadurecendo ao longo dos anos? Elas já eram esperadas?

Max Altman – A realidade impôs que se aprofundasse a discussão sobre os problemas da economia. Cuba vivia nos últimos anos graves problemas econômicos. Por exemplo, a alta dos preços das commodities de alimentos no mercado internacional obrigou Cuba a despender, com a importação de alimentos, recursos que não gerava com a sua exportação. Paralelamente, a produção e a produtividade agrícola interna eram precárias por distintas razões. Havia outros temas de crucial importância que deveriam ser enfrentados e foram. Resta saber como e em que ritmo as linhas gerais sobre a economia aprovadas serão levadas a cabo.

IHU On-Line – As mudanças que se verificam na economia também são vistas na política?

Max Altman – A influência já está ocorrendo. Quando se libera a venda de imóveis e automóveis e se autoriza a criação de negócios por conta própria em dezenas de ramos, isto significa uma abertura. Se o padrão de vida em geral crescer, haverá consequentemente um crescimento da qualidade de vida em todos os sentidos. Já se fala em aliviar a política migratória, ou seja, permitir mais amplamente viagens para e de Cuba de cidadãos cubanos.

IHU On-Line – Quem é o núcleo duro do poder em Cuba hoje?

Max Altman – Pode-se dizer que o núcleo duro corresponde ao Birô Político do Partido Comunista do país, visto que todos os seus membros ocupam também relevantes cargos no Conselho de Ministros. Esse birô é composto de 15 membros. Além de Raúl Castro, há uma adequada proporção de chefes principais das Forças Armadas Revolucionárias. É natural que assim seja, pois o Exército Rebelde foi a alma da Revolução, transferindo posteriormente ao partido e ao Exército a defesa das conquistas da revolução.

Hoje, uma das preocupações centrais ainda é a defesa da soberania, da independência de Cuba, e fazer ver a setores externos que Cuba está disposta a tudo para defender seus ideais. Nele ingressaram três novos membros: Mercedes López Acea, 46, Primeira Secretária do Comitê Provincial do partido em Havana; Marino Murillo Jorge, 51, vice-presidente do Conselho de Ministros e Chefe da Comissão Permanente do Governo para a Implementação e Desenvolvimento, e Adel Yzquierdo Rodríguez, 63, quem recentemente foi nomeado Ministro de Economia e Planificação.

IHU On-Line – Quais serão os ganhos e perdas sociais dessas reformas?

Max Altman – Se as medidas aprovadas forem implementadas firmemente e num ritmo adequado, não haverá perdas; só haverá ganhos sociais. Com a autonomia das empresas, com a melhoria da gestão, com o crescimento da produtividade, com a colocação de mais e mais diversificados produtos no mercado, certamente haverá aumento salarial e o poder aquisitivo das famílias.

Some-se a isto a disposição do governo de fazer valer o princípio marxista de socialismo: “de cada um conforme seu trabalho a cada um conforme sua capacidade”, seguramente haverá mais justiça salarial.

IHU On-Line – O que se pode esperar da reativação da economia cubana? Cuba deve se inserir intensamente na economia internacional?

Max Altman – Cuba já está inserida, mas deve ampliar bastante esta inserção. Garantir a normal liquidação de compromissos internacionais, visando assegurar um maior fluxo de investimentos externos no país para acelerar o progresso econômico, é fundamental. Se o bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos há mais de meio século for levantado, a reativação da economia será acelerada. Pouca gente sabe que, devido ao bloqueio, um navio que toque porto cubano trazendo carregamento de arroz coreano não está autorizado a tocar porto norte-americano em seis meses. Com isto, o navio retorna vazio. Imagine-se quanto sobe o custo do frete nesses casos.

IHU On-Line – Analisando a situação econômica, social e política da ilha, o que o senhor diria sobre o socialismo?

Max Altman – Simplesmente que o povo cubano está disposto a manter as conquistas do socialismo em Cuba, apesar de todas as dificuldades.

IHU On-Line – O que as reformas políticas cubanas demonstram sobre o futuro do país?

Max Altman – É preciso esperar cinco anos mais – é o tempo previsto pelos governantes cubanos – para ver concretizadas as reformas. Aí então se poderá avaliar o estado do país.

IHU On-Line – Qual deverá ser o papel do Estado nos próximos anos?

Max Altman – O Estado terá um papel preponderante e continuará detendo os grandes meios de produção dentro de uma economia planificada. Porém, o Estado terá um papel menor do que tem hoje. Estará abrindo mão de controlar em grande medida a produção e comercialização agrícola e em amplos setores de serviços.

IHU On-Line – A proposta também prevê a eliminação de um milhão de empregos públicos nos próximos cinco anos. O que vislumbra para Cuba a partir da queda da intervenção do Estado?

Max Altman – Este milhão de empregos públicos era de mão de obra ociosa sustentada pelos cofres públicos. Com um milhão a menos de funcionários a máquina pública produtiva poderá manter e, em seguida, melhorar significativamente a produção e a produtividade.

IHU On-Line – Como a sociedade cubana reagiu ao anúncio das reformas?

Max Altman – Com grande esperança. Durante três meses, de primeiro de dezembro de 2010 a 28 de fevereiro, decidiu discutir os “dogmas”, desencadeando um debate, no qual participaram 8 milhões 913 mil 838 pessoas, parte delas repetida – em mais de 163 mil reuniões efetuadas no seio de diferentes organizações, registrando-se uma cifra superior a três milhões de intervenções. Foi um verdadeiro e amplo exercício democrático. O povo manifestou livremente suas opiniões, esclareceu dúvidas, propôs modificações, expressou suas insatisfações e discrepâncias e também sugeriu abordar a solução de outros problemas não contemplados no documento. Com isso mais de 2/3 dos parágrafos foram emendados com contribuições partidas da base. Significativo contraste com o que se pratica nas democracias de livre mercado em que despoticamente, sem consulta alguma aos afetados, se hipoteca o futuro de gerações com os planos de ajuste e “reformas” de modo a continuar enriquecendo uma elite insensível e ambiciosa.

IHU On-Line – O que as reformas políticas significam para Cuba e para o projeto do socialismo?

Max Altman – Digo mais, o projeto de socialismo cubano é sui generis. Não segue modelo chinês ou qualquer outro. Reafirmando as palavras de Raúl Castro: significam a defesa, a preservação e o contínuo aperfeiçoamento do socialismo e não permitir jamais o regresso do regime capitalista.

Extraído de IHU – Instituto Humanitas Unisinos

Leia também: AS REFORMAS EM CUBA - por Laerte Braga redecastorphoto

http://goo.gl/v6353 /twitter

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quinta-feira, 18 de agosto de 2011

O Pentágono quer enlouquecer... os “jihadistas”!

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Acredite quem quiser

11/8/2011, Tom Engelhardt, Tom Dispatch
Could the Pentagon Be Responsible for Your Death?Aug 17, 2011 Asia Times Obline,
Military gives marching orders to jihadists
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu

Inclua o que você lerá adiante na categoria dos parágrafos de jornal que ninguém leu, mas que, se lidos, poriam a nação de cabelos em pé. É parágrafo para provocar calafrios nos políticos, disparar os alarmes de incêndios e catástrofes e ‘ameaças’, e seria excelente motivo para que os deputados e senadores mudassem de assunto e parassem, afinal, de fingir que discutem a ‘crise’ da dívida dos EUA.

Semana passada, dois repórteres do New York Times, Eric Schmitt e Thom Shanker, publicaram matéria na Sunday Review daquele jornal sob o título “Depois do 11/9, uma era de espiões que são cozinheiros, funileiros, encanadores, pedreiros, carpinteiros, alfaiates e jihadistas”.[1] A matéria comentava os mais recentes avanços do pensamento do Pentágono sobre contraterrorismo: a teoria da “detenção” [orig. deterrence]. (Evidentemente, um amálgama de velhas ideias sobre “contenção” da Guerra Fria, com bomba atômica para destruir quem não se deixe “conter” e tenha de ser “detido”, requentadas pelos rapazes que habitam hoje, em tempos de Jihad, o prédio de cinco lados.) O artigo de Schmitt e Shanker é, como os leitores são informados em nota, adaptação de pesquisa que os repórteres estão fazendo para seu próximo livro, Counterstrike: The Untold Story of America’s Secret Campaign Against Al Qaeda.

Copio aqui, então, o tal parágrafo, enterrado no meio da matéria, e que, se tivesse sido lido, faria os leitores saltarem, em pânico, das poltronas do domingo:

“Consideremos o que os especialistas norte-americanos em computadores estão fazendo pela internet, talvez o mais amplo paraíso seguro de terroristas, pela qual recrutam, levantam dinheiro e planejam ataques futuros em escala global.

Especialistas norte-americanos tornaram-se super eficientes no trabalho de forjar as assinaturas eletrônicas que a Al Qaeda usa para autenticar suas declarações e manifestos distribuídos pela rede, e postam ordens e instruções dirigidas aos militantes, algumas delas tão horrendas que, como o Pentágono espera, farão vacilar a convicção de jovens jihadistas, que ainda não se tenham decidido a abraçar definitivamente a causa; o plano do Pentágono prevê que, ante ordens para que executem ações tão terríveis, muitos jovens recuarão e se afastarão do movimento Jihad.”

Os itálicos são meus. Como os autores sugerem que façamos, espiemos por um momento por essa inacreditável, bizarra, pequena janela que se abre para o modo como o Pentágono pensa. Para começar, não se sabe onde trabalham esses “especialistas norte-americanos em computadores”. Talvez trabalhem no Pentágono, talvez em alguma sala do National Counterterrorism Center, mas, sejam quem forem e trabalhem onde trabalharem, a pergunta da semana, do mês, do ano é a seguinte: “Que diabo serão as tais “ordens e instruções” que distribuem, e que, de “tão horrendas”, “farão vacilar a convicção de jovens jihadistas, que ainda não se tenham decidido a abraçar definitivamente a causa”?

Mesmo que nossos especialistas em computadores fossem, de fato, capazes de convencer jovens muçulmanos ainda vacilantes a desertar de suas crenças jihadista – e eu não apostaria um vintém nas competências do Pentágono nesse campo –, o que estará acontecendo com jovens muçulmanos (e também velhos, por que não?), que absolutamente não sejam vacilantes e já se decidiram a abraçar definitivamente a causa... E que tomem como autênticas as ordens “horrendas” que recebam (do Pentágono), para praticar ações “tão terríveis”?!

É situação potencialmente Frankenstein – e só nos restam perguntas e mais perguntas. Que tipo de monstros os especialistas militares do Pentágono (especialistas em computadores) estão fabricando?

Outra pergunta: quem, exatamente, supervisiona o trabalho desses “especialistas” e as mensagens “horrendas” que saem da cabeça deles? (Deve-se supor que não escrevam em inglês; e todos sabemos que agentes realmente competentes nas línguas árabe, pashtum, dari e farsi – escritas! – são poucos no Pentágono, não estão todos no mesmo local e, assim sendo... Quem confere o que seja lá quem for realmente escreve?!)

Não podemos esquecer que já tivemos exemplo de programa semelhantemente alucinado, sem supervisão possível, que acabou sendo descoberto, chegou aos jornais revelado como escândalo e resultou na morte – real, não cenográfica – de pelo menos dois agentes da Polícia de Fronteira dos EUA, além, é claro, de muitos mexicanos.

No final de 2009, a Agência Federal do Álcool, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivos lançou um hoje infame programa de rastreamento de armas no Arizona, chamado “Operação Rápidos e Furiosos” (referência a uma série de filmes sobre carros e disputas de ‘rachas’ urbanos). O objetivo era rastrear as armas que os cartéis de drogas vendiam através da fronteira; para tanto, o programa fez circular pela fronteira armas reais; como depois se soube, mais de 2.000. Segundo o Washington Post, os agentes da polícia de fronteira “receberam instruções para não agir nem questionar [os contrabandistas de armas], e deixar as armas serem levadas, com o objetivo de descobrir para onde iam”. Foi exatamente o que os agentes fizeram durante mais de um ano, até que se descobriu – e não se sabe quem ainda não sabia disso – que as armas “chegaram às ruas” e às piores mãos imagináveis.

Jon Stewart, no programa Daily Show, levantou problema interessante: “Se o Plano que a Agência Federal de Armas de Fogo aprovou para impedir que armas norte-americanas caiam na mãos dos cartéis de droga é fornecer armas americanas aos cartéis de droga... Queria saber, por favor: Que planos eles rejeitaram?”

Pode-se fazer a mesma pergunta também sobre o programa anti-jihadismo do Pentágono, que envolve mensagens que, supostamente, devem soar ‘extremistas demais’ aos ouvidos de jovens muçulmanos, a ponto de levá-los a abandonar o movimento. Não seria hora de alguém tomar providências para saber que ‘ordens’ horrendas o Pentágono anda distribuindo para jihadistas?

O que, diabos, os tais “especialistas” estão mandando os jihadistas fazerem? E se, em vez de levá-los a desistir da causa, as ordens “horrendas” forem tomadas ao pé da letra? Afinal, se os jovens jihadistas são pressupostos “confusos e contráditórios”, nada impede que tomem as “ordens horrendas” como... perfeitamente exequíveis e, mesmo, altamente recomendáveis para imediata execução! E se isso acontecer, e os jihadistas interpretarem as ordens de modos não previstos pelos seus mandantes do Pentágono... E se alguém morrer numa dessas “ações horrendas”? E mesmo que em alguns casos funcionem como o Pentágono prevê que funcionem, o que impede que as mesmas mensagens funcionem diferentemente, noutros casos? E o que impede, por exemplo, que algumas daquelas “ordens horrendas” sejam horrendas a ponto de ordenar ações contra norte-americanos?

Não há dúvidas: alguém deve imprimir aquele parágrafo de Schmitt e Shanker num cartaz gigante e colar num muro que se veja do Capitólio, até que alguém exija ampla investigação do ‘programa’ do Pentágono para jihadistas jovens. Se já aconteceu no Comitê de Armas de Fogo, por que não aconteceria também no Pentágono? Alguém consegue pensar em malversação mais completa, do dinheiro dos contribuintes? (...)

Não pensem em “contenção” nem em “detenção”. Pensem em receber o troco, pelo que os EUA estão fazendo ao mundo. E se algum dia descobrirmos que “especialistas em computadores” a serviço do Pentágono e sob ordens do Pentágono podem ser os responsáveis por algum ataque “horrendo” contra nós mesmos?

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Nota dos tradutores

[1] 7/8/2011, NYT, Sunday Review, “After 9/11, an Era of Tinker, Tailor, Jihadist, Spy”.

Recebido por e-mail da redecastorphoto

http://goo.gl/EwyDc /twitter

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Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons (cartoon extraído do site Winds of Jihad)

Pressaa

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domingo, 23 de janeiro de 2011

DONA ALVINA, A TACACAZEIRA

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A banca de tacacá – me entendam bem – não era apenas um lugar onde se ia tomar tacacá, como pensa o simplório. Era muito mais do que isso. Era um templo, um santuário da fofoca. Isso em Manaus, cinquenta anos atrás, quando se cumpria sempre um ritual: a gente saía de casa ao entardecer levando, às vezes, a própria cuia pintada, made in Monte Alegre (PA). Aí, na banca, entre um gole e outro de tacacá, se falava tanto da vida alheia, mas tanto, que a língua ficava entorpecida e os lábios dormentes. A anestesia era creditada ao jambu, mas sabemos que a boca tremelicava por causa do disse-me-disse.

O freguês ia à banca em busca do mexerico. Sal, pimenta murupi e tititi eram os temperos do tacacá feito com tucupi, além de goma de mandioca, camarão e jambu. As tacacazeiras, sacerdotisas desse ritual, eram a Nega Vitória, com banca ao lado do Cine Odeon, a Maria Portuguesa em frente ao Guarany, a Preta Idalina na Praça XIV e muitas outras que mereceram algumas páginas antológicas de André Araujo em sua “Introdução à Sociologia da Amazônia”, de 1956.

Mas a maior fofoqueira entre todas era - não duvide - dona Alvina, do bairro de Aparecida. Ela não possuía o physique du rôle das tacacazeiras, que em geral eram fartas e generosas de seios e ancas. Dona Alvina, ao contrário, era magrinha e espigada, mas sua banca alimentava a freguesia com bom tacacá, banana frita no palitinho, croquete, bolo de mandioca, tapioca e, pra rimar, muita fofoca.

Fofoca – por favor, não me interpretem mal - não era só maledicência. Havia quatro tipos. O primeiro tipo era notícia pura. Nessa época, quase ninguém lia jornais, não havia ainda rádio de pilha, a televisão não chegara a Manaus e, por isso, a banca de tacacá se tornou um centro de informações sobre o que acontecia no Amazonas, no Brasil e no mundo. Era o lugar onde você ficava antenado. Foi numa banca de tacacá que fiquei sabendo, em 1954, do suicídio de Getúlio Vargas e da derrota do Brasil para a Hungria, no mundial na Suíça. O arauto foi o Pedro Marceneiro.

Pedro Lambança

Pedro Marceneiro, também conhecido como Pedro Lambança, tinha um rádio Philips, grande, com uma caixa de madeira vistosa fabricada por ele mesmo. Era um rádio, cuja válvula vivia queimando, originando uma recepção fraca, em baixo volume. Pra piorar, o capacitor precário provocava ruído de fundo, um zumbido, um chiado perturbador. Ainda por cima, era um rádio manhoso, só funcionava quando queria. Precisava de umas tapinhas no gabinete pra começar a falar. Era movido a porrada, que nem mulher de malandro.

Numa tarde, Pedro Lambança chegou esbaforido na banca da Dona Alvina, gritando desesperado: - “A Hungria eliminou o Brasil por 4x2”. Parecia que o mundo tinha acabado. Zé Buchinho, que estava energizado com vários tacacás e croquetes que havia encaçapado, anotou os nomes dos autores dos seis gols e com uma cuia na mão, servindo de microfone, irradiou toda a partida, inventando lances geniais, com tanto realismo, que parecia de verdade. De vez em quando, interrompia para os comerciais: “Casa Tem-Tem, a casa do pobre e do rico também” ou para permuta publicitária: “Banca da Alvina, onde só tem gente fina”.

Foi na banca de dona Alvina que ficamos sabendo de fofocas federais como o tiro no pé do Carlos Lacerda e logo depois, no final de agosto, o tiro que Getúlio Vargas disparou em seu próprio peito. Quem ouvia rádio, trazia a novidade para a banca, que fervilhava e borbulhava com comentários abalizados.

Mas havia ainda um segundo tipo, a fofoca municipal: eventos locais que, embora reais, jamais seriam noticiados pela rádio e que tinham guarida na banca de tacacá, como foi o caso da tentativa de suicídio do Sansão.

Se não me falha a memória, Sansão morava na Matinha. Era um cara pintoso, topete de Elvis Presley, dirigia um jipe vermelho e namorava a Mariona do Beco da Escola, num agarramento escandaloso que não escapou aos olhos observadores de dona Alvina. Num belo dia, ele perdeu sua Dalila para um bancário do Beco da Bosta. Desconsolado, conseguiu com o Américo Loureiro uma porção de carbureto dizendo que era para soldar metais, e ingeriu, segundo uns, ou fingiu ingerir, segundo outros, o ácido abrasivo, lambuzando com ele a boca, que ficou toda branca. Por via das dúvidas e por outra via, deram-lhe uma lavagem estomacal e pespegaram-lhe o apelido de Carbureto, que ostenta até hoje.

O terceiro tipo de fofoca eram os inventos, como o amor do Petel pela sua cunhada Leonor, cantado em prosa e verso na banca da dona Alvina. A imaginação dos vizinhos que gostavam de murmúrios, futricas, mexericos, inventou esse amor, que se existia, era platônico. Petel jamais colocaria chifres no próprio irmão, embora na banca de tacacá houvesse quem espalhasse o contrário, dizendo que ele brechava a Leonor no banheiro, de uso comum, com paredes de ripa, que ficava no quintal.


Templo da fofoca

O quarto tipo de fofoca, mais sofisticado, no qual dona Alvina se tornara especialista, era algo inédito. Deixava de lado eventos (o acontecido) e inventos (o não-acontecido, o boato, o rumor). Seu foco central era sobre aquilo que COM CERTEZA ainda IRIA acontecer.

Num furo de reportagem, Alvina profetizou, com seis meses de antecedência, que a Terezona ia engravidar e que o pai era um padre. Isso mesmo, um padre, que puxava as novenas nas terças-feiras na igreja de Aparecida. Não deu outra. Alvina foi a maior repórter da Paróquia. Apurava bem, fazia entrevistas, checava os dados, mas sobretudo sabia analisá-los e fazer previsões.

É que dona Alvina parecia ter um telescópio, que podia olhar em curva. Lá da sua banca, por exemplo, ela via o Geraldão, o rei das caboquinhas, com sua farda de oficial do CPOR, acochando as meninas, escondido num escurinho detrás da igreja. Alvina sabia de tudo e não guardava segredos: as cartas perfumadas, os encontros furtivos, as lágrimas no travesseiro, os poemas de amor de JG de Araújo Jorge e os boleros de Anísio Silva.

A fofoca de dona Alvina, se fosse hoje, seria certificada com o ISO 9001:2008, um modelo de garantia para satisfação do freguês. Atestado de virgindade assinado por ela valia mais do que qualquer exame ginecológico. Ela não passava nada adiante sem antes conferir a origem, cuidava da vida alheia com senso profissional e seriedade. Sua forma de transmissão não era apenas verbal, mas gestual: olhares expressivos, cutucões, cotoveladas, beiço esticado, que complementavam a informação.

Por isso, sua banca, na esquina da Alexandre Amorim com a Xavier de Mendonça, era frequentada por gente ilustre. O pintor Moacir Andrade e o poeta Luiz Bacelar, quando abriam a porta de suas respectivas casas, davam de frente com ela e não resistiam a um dedo de prosa. Migraram depois para o Tacacá da Dona Maria, na Ramos Ferreira, frente à Academia de Letras, onde Berinho, o eterno Secretário de Cultura, leva os gringos para tomar o “Take Khak’ka, a soup common to Nothern Brazil”.

Tacacá era tucupi, jambu, goma, fofoca e diarreia. O resto é prosopopeia. Hoje se toma bom tacacá em Manaus, inclusive em shoppings: Tio João na Darcy Vargas, Gisela na Praça São Sebastião, Adalgiza na Praça da Polícia, Hilda e Tia Socorro no centro e até o japonês Ishiba no Eldorado.

Eis o que eu queria dizer: deviam levar dona Alvina para a região serrana do Rio, onde morreram quase 800 pessoas. Ela seria mais eficaz que radares planejados para prevenir desastres ambientais que não foram instalados. Por outro lado, não funcionou o sistema meteorológico de Petrópolis para medir o nível dos rios, a umidade do ar, a velocidade dos ventos e a quantidade de chuvas, já que 19 estações foram desativadas, porque a burocracia não chegou a um acordo sobre quem devia operá-las.

Conservamos o bom tacacá, mas perdemos o templo da fofoca, até mesmo no Amazonas. O eleitor que votou no Amazonino Mendes (PTB,vixe, vixe), por exemplo, não usou a sabedoria da dona Alvina para prever a merda que ia dar sua gestão na prefeitura. Eis o que eu queria dizer: tenho saudades da dona Alvina.

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José Ribamar Bessa Freire é professor universitário (Uerj), reside no Rio há mais de 20 anos, assina coluna no Diário do Amazonas, de Manaus, sua terra natal, e mantém o blog Taqui Pra Ti

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Ilustração: AIPC – Atrocious International Piracy of Cartoons

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