quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Obama e oposição - Tanto lá quanto cá

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TOMARA ME ENGANE!

Reflexões do companheiro Fidel

Li com assombro as notícias do fim de semana a respeito da política interna dos Estados Unidos, onde resulta evidente um desgaste sistemático da influência do Presidente Barack Obama. Seu surpreendente triunfo eleitoral não teria sido possível sem a profunda crise política e econômica desse país. Os soldados norte-americanos mortos ou feridos no Iraque, o escândalo das torturas e dos cárceres secretos, as perdas de moradias e empregos, tinham abalado a sociedade norte-americana. A crise econômica se espalhava pelo mundo incrementando a pobreza e a fome nos países do Terceiro Mundo.

Tais circunstâncias tornaram possível a postulação e posterior eleição de Obama em uma sociedade tradicionalmente racista. Não menos de 90% da população negra, discriminada e pobre, a maioria dos votantes de origem latino-americana e uma ampla minoria branca de classe média e operária, especialmente os jovens, votaram por ele.

Era lógico que entre os norte-americanos que o apoiaram se despertaram muitas esperanças. Decorridos oito anos de aventureirismo, demagogia e mentiras em que morreram milhares de soldados norte-americanos e quase um milhão de iraquianos em uma guerra de conquista pelo petróleo desse país muçulmano que nada tinha a ver com o atroz ataque às Torres Gêmeas, o povo dos Estados Unidos estava enfastiado e envergonhado.

Não poucas pessoas da África e de outras partes do mundo ficaram entusiasmados com a idéia de que haveria mudanças na política exterior dos Estados Unidos.

Contudo, bastava um elementar conhecimento da realidade para não cair em ilusões relativamente a uma possível mudança política nos Estados Unidos a partir da eleição do novo presidente.

Obama certamente se opusera à guerra de Bush no Iraque antes que outros muitos no Congresso dos Estados Unidos. Conhecia desde que era adolescente as humilhações da discriminação racial, e igual que muitos norte-americanos admirava o grande lutador pelos direitos civis, Martin Luther King.

Obama nasceu, foi educado, fez política e teve sucesso dentro do sistema capitalista imperial dos Estados Unidos. Não desejava nem podia mudar o sistema. O curioso é que, apesar disso, a extrema direita o odeia por ser afro-americano, e combate o que o Presidente faz para melhorar a imagem deteriorada desse país.

Foi capaz de compreender que os Estados Unidos, com apenas 4% da população mundial, consome ao redor de 25% da energia fóssil e é o maior emissor de gases poluentes do mundo.

Bush, em seus desvarios, não subscreveu sequer o Protocolo de Quioto.

Obama se propõe, pela sua vez, a aplicar normas mais rígidas à evasão fiscal. Foi informado, por exemplo, que, das 52 mil contas financeiras dos cidadãos dos Estados Unidos nos bancos da Suíça, estes fornecerão os dados de aproximadamente 4 500 suspeitos de evasão fiscal.

Na Europa, há poucas semanas, Obama se comprometeu perante os países do G-8, especialmente a França e a Alemanha, a pôr término ao uso dos paraísos fiscais por parte de seu país, para injetar enormes quantidades de dólares norte-americanos na economia mundial. Ofereceu serviços de saúde a quase 50 milhões de cidadãos que careciam de seguro médico.

Ao povo dos Estados Unidos lhe prometeu lubrificar o aparelho produtivo, deter o desemprego crescente e voltar ao crescimento. Aos 12 milhões de imigrantes ilegais hispânicos lhes ofereceu pôr fim às cruéis batidas e ao trato desumano que recebem. Houve outras promessas que não enumero, nenhuma das quais põe em causa o sistema de dominação capitalista imperialista.

A poderosa extrema direita não se resigna a medida alguma que em grau mínimo diminua suas prerrogativas.

Limitar-me-ei apenas a referir com palavras textuais informações procedentes dos Estados Unidos que nos últimos dias estiveram chegando, tomadas das agências de notícias e da imprensa dos Estados Unidos.

Do dia 21 de agosto:

“A confiança dos estadunidenses na liderança do presidente Barack Obama tem diminuído substancialmente, segundo uma enquête que publica hoje o jornal The Washington Post.”

“No meio da crescente oposição à reforma do sistema de saúde, a enquete telefônica realizada juntamente com a cadeia ABC de televisão, de 13 a 17 de agosto entre 1.001 adultos, indica que… 49 por cento dos entrevistados opina que Obama será capaz de levar adiante melhoras significativas no sistema de assistência médica dos EEUU, e isto é 20 pontos percentuais menos do que antes que Obama iniciasse sua administração presidencial.”

“55 por cento dos entrevistados acredita em que a situação geral dos Estados Unidos vai mal encaminhada, comparado com 48 por cento em abril.”

“O encarniçado debate sobre a reforma de saúde nos Estados Unidos demonstra um extremismo que preocupa aos peritos, que ficam alarmados pela presença de homens armados em reuniões populares, suásticas desenhadas e as imagens de Hitler.”

“Os peritos em crimes de ódio recomendam vigiar de perto esses extremistas, e se bem muitos democratas ficaram agoniados perante os protestos, outros têm optado por desafiar diretamente seus concidadãos.”

“Uma jovem, que portava uma foto manipulada de Obama com um bigode ao estilo Hitler, alimenta a teoria de que o mandatário criaria ‘painéis da morte’ que apoiariam a eutanásia de idosos desesperançados…”

“… há quem faz ouvidos moucos e opta por mensagens de ódio e extremismo, que o ex-agente do Escritório Federal de Investigação (FBI) Brad Garrett observa alarmado.”

“‘Vivemos certamente tempos que assustam, disse Garrett na semana passada à cadeia ABC, e acrescentou que os serviços secretos ‘temem que a Obama lhe possa acontecer alguma coisa’.”

“Na segunda-feira, sem irmos mais longe, aproximadamente doze pessoas jactanciosas exibiam suas armas fora do centro de Convenções de Phoenix (Arizona), onde o governante proferia um discurso perante veteranos de guerra, no qual defendeu, entre outras coisas, sua reforma médica.”

“Outro homem portava uma pistola com um rótulo ‘chegou o momento de regar a árvore da liberdade’, em alusão à citação do presidente Thomas Jefferson (1801 1809) de que ‘o sangue de patriotas e tiranos’ deveria de regar a árvore da liberdade.”

“Algumas mensagens têm sido ainda mais explícitas ao desejar ‘a morte de Obama, de Michelle e de suas duas… meninas’.”

“Esses incidentes demonstram que o ódio tem irrompido na política estadunidense com mais força do que nunca.”

“‘Estamos falando de gente que grita, que porta fotografias de Obama caracterizando-o como nazista (...) e que utiliza depreciativamente o termo socialista’, disse a EFE Larry Berman (da Universidade de Califórnia, escritor de 12 livros sobre a Presidência dos EE.UU.), que atribui parte do que está acontecendo ao legado latente do racismo.”

“Depois que ‘The New York Times’ informasse ontem que a CIA contratou Blackwater em 2004 para tarefas de planificação, treino e vigilância, na edição de hoje o jornal fornece mais pormenores sobre as atividades encarregadas a essa controvertida empresa de segurança privada cujo nome atual é Xe.”

“O diário assinalou que a Agência Central de Inteligência (CIA) dos Estados Unidos recrutou agentes de Blackwater para colocar bombas em aviões telecomandados com o objetivo de matar líderes de Al Qaeda.”

“Segundo informação facilitada por funcionários do governo a ‘The New York Times’, as operações foram feitas em bases situadas no Paquistão e no Afeganistão, onde a companhia privada montava e colocava mísseis Hellfire e bombas guiadas por laser nos aviões.”

“O atual diretor da agência, Leon Panetta, decidiu em seu momento, cancelar o programa e revelar ao Congresso, em junho, a colaboração de Blackwater com a CIA.”

“A colaboração de Blackwater finalizou anos antes que Panetta assumisse a chefia da CIA, devido a que os mesmos funcionários da agência colocaram em causa a conveniência de que agentes externos participaram em um programa de assassinatos seletivos.”

“Blackwater foi a principal companhia de segurança privada encarregada de proteger o pessoal estadunidense no Iraque durante a administração de George W. Bush.”

“Suas táticas agressivas foram criticadas em diversas ocasiões. O caso mais grave aconteceu em setembro de 2007, quando agentes da empresa mataram 17 civis iraquianos.”

“Perante as cifras recorde de suicídios e a onda de depressão entre seus soldados, o exército dos Estados Unidos está preparando, aos bocados, formações especializadas destinadas a tornarem seus militares ‘mais resistentes’ ao estresse emocional relacionado com situações de guerra.”


Do dia 22 de agosto:

“O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, lançou hoje uma dura crítica aos que se opõem a seu plano para reformar o sistema de saúde do país e acusou-os de difundir falsidade e distorções.”

“Segundo tem apontado em seus discursos, o objetivo da reforma do sistema de atendimento médico é deter seu vertiginoso custo e garantir a cobertura médica para quase 50 milhões de estadunidenses que carecem de seguro.”

“…‘deveria ser um debate honesto, não dominado por falsidades e distorções intencionadas difundidas pelos que mais se beneficiariam se a situação se mantivesse da forma em que está.’”

“O Departamento de Estado norte-americano continua financiando Blackwater, a companhia privada de mercenários que se viram envolvidos em assassinatos de líderes de Al Qaeda e que agora se chama Xe Services, publicou hoje o jornal The New York Times.”

“O governador do estado de Nova Iorque, David Paterson, afirmou na sexta-feira que a mídia utilizou estereótipos raciais em sua cobertura de funcionários negros como ele próprio, o presidente Barack Obama e o governador de Massachussets, Deval Patrick.”

“A Casa Branca calcula que o déficit orçamentário durante a próxima década será de 2 milhões de milhões de dólares, mais do que os prognosticados até há pouco, um golpe demolidor para o presidente Barack Obama e seus planos de criar um sistema público de saúde custeado em grande parte pelo estado.”

“Os prognósticos daqui a 10 anos são muito voláteis e poderiam variar com o tempo. Contudo, os novos números vermelhos nas finanças públicas colocaram árduos problemas a Obama no Congresso, e uma enorme ansiedade entre os estrangeiros que financiam a dívida pública estadunidense, fundamentalmente a China. Quase todos os economistas os consideram insustentáveis, inclusive com uma desvalorização massiva do dólar estadunidense.”


Do dia 23 de agosto:

“O principal militar ao comando do exército estadunidense se mostrou preocupado no domingo pela perda de apoio popular em seu país à guerra no Afeganistão, ao mesmo tempo em que indicou que o país continua sendo vulnerável a ataques de extremistas.”

“‘Acho que a situação no Afeganistão é grave e está se deteriorando, e eu disse que durante os últimos dois anos a insurreição Talibã melhorou, tornou-se mais especializada’, afirmou o chefe do comando conjunto das forças militares, Mike Mullen.”

“Numa entrevista transmitida pela cadeia NBC, Mullen não quis especificar se será necessário enviar mais soldados.”

“Pouco mais de 50% dos consultados em uma enquete do jornal Washington Post e a cadeia ABC, publicada há alguns dias, expressaram que não vale a pena a guerra no Afeganistão.”

“Aos finais de 2009, Estados Unidos terá três vezes mais soldados do que os 20.000 que estavam espalhados no Afeganistão há três anos.”


A confusão reina no seio da sociedade norte-americana.

No próximo 11 de setembro será o oitavo aniversário do fatídico 11-S. Nesse mesmo dia advertimos no comício da Cidade Esportiva que a guerra não seria o caminho para pôr fim ao terrorismo.

A estratégia de retirar as tropas do Iraque e enviá-las para a guerra do Afeganistão para lutarem contra os talibãs, é um erro. Aí se afundou a União Soviética. Os aliados europeus dos Estados Unidos farão cada vez mais resistência por não derramar o sangue de seus soldados nesse país.

A preocupação de Mullen sobre a popularidade dessa guerra não é infundada. Os que planejaram o ataque de 11 de setembro de 2001 às Torres Gêmeas foram treinados pelos Estados Unidos.

O Talibã é um movimento nacionalista do Afeganistão que nada teve a ver com aquele fato. A organização Al Qaeda, financiada pela CIA desde 1979 e utilizada contra a URSS nos anos da guerra fria, foi quem planejou aquele ataque 22 anos depois.

Existem fatos obscuros que ainda não foram esclarecidos suficientemente perante a opinião pública internacional.

Obama herdou de Bush esses problemas.

Não albergo a menor dúvida de que a direita racista fará todos os possíveis por desgastá-lo, travando seu programa para tirá-lo do jogo por uma ou por outra via, ao menor custo político possível.

Tomara me engane!

Fidel Castro Ruz



http://www.cubanoticias.ain.cu/2009/0825reflexiones.htm


Queridos amigos dos Cinco Cubanos,

Estamos lhes enviando um You Tube com parte da apresentação de Alice Walker durante a inauguração da amostra de pinturas originais de Antonio Guerrero.

http://www.youtube.com/watch?v=oL6t965XYz0

Este evento ocorreu em 6 de agosto de 2009 no Centro Cultural La Peña em Berkeley, California e foi a segunda exibição dessa amostra que continuará sendo apresentada em outras cidades dos Estados Unidos.

Em solidariedade,

Alicia Jrapko
Comité Internacional pela Libertação dos Cinco Cubanos

(Todos os grifos e ilustrações desta postagem são de responsabilidade da nossa Agência Assaz Atroz)

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PressAA

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terça-feira, 25 de agosto de 2009

Como conseguem ser tão impermeáveis à realidade?

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Republicanos, religião e o triunfo da des-razão

Johann Hari, The Independent, UK

Algo estranho aconteceu nos EUA nos nove meses decorridos desde que Barack Obama foi eleito –, bem resumido pelo comediante Bill Maher: “Os Democratas deram um passo em direção à direita; os Republicanos deram vários em direção ao hospício.”

A eleição de Obama – negro e com mensagem progressista – para suceder George W. Bush, detonou o âmago do modo como a direita norte-americana vê seu país. Aí, nesse âmago, eles vêem os EUA como nação de pele branca, de direita, modelada para sempre à moda de Sarah Palin.

Quando essa imagem foi repudiada por maioria massiva de norte-americanos, eles simplesmente não computaram. Não podia acontecer; logo, não aconteceu. Como o brado “Perfure, gatinha, perfure” [orig. “Drill, baby, drill”] poderia ter sido derrotado por um mulato supostamente qualificado para a presidência? E, assim, um traço sempre presente na visão de mundo da direita norte-americana – negar a realidade e argumentar contra um fantasma demoníaco que a própria direita cria – inchou e cresceu. Hoje, a direita norte-americana só vê o que só ela vê.


Desde a posse de Obama, a direita nos EUA tem saltado freneticamente de uma fantasia para outra, como alguém que se debata nos tormentos de um colapso mental. Começou com a conversa de que Obama seria cripto-muçulmano e – ao mesmo tempo – de que seria também membro de uma igreja nacionalista negra que odeia brancos. Quando essas idéias foram rejeitadas e Obama venceu as eleições, puseram-se a dizem que Obama teria nascido no Quênia e que teria sido contrabandeado (sic) para os EUA ainda bebê, e as autoridades havaianas, cúmplices desse projeto, teriam falsificado a certidão de nascimento do bebê contrabandeado (sic). Nesses termos e pelas razões acima expostas, Obama ‘é’ inelegível, ‘não foi’ eleito e, pois, a presidência ‘tem de ser’ imediatamente entregue ao candidato Republicano, John McCain.

Não são fenômenos marginais: pesquisa de Research 200 descobriu que a maioria dos Republicanos e dos habitantes do Sul afirmam que Obama não nasceu nos EUA ou que não sabem com certeza onde nasceu. Vários senadores Republicanos têm repetido que Obama teria “perguntas a responder”. Não há comprovação, por mais incontestável – a certidão de nascimento, a foto de sua mãe grávida, no Havaí, a participação do nascimento no jornal do Havaí – que abale a convicção dos Republicanos.

Essa tendência alcançou o clímax no verão passado, com o Partido Republicano a clamar, em uníssono, que Obama deseja ver instalados “painéis da morte” para eutanásia dos velhos e portadores de excepcionalidades. Sim, sim: Sarah Palin realmente declarou – sem piscar e sem corar –, que Barack Obama planeja assassinar o bebê dela.

É preciso admirar a audácia da direita. Vejam, pois, o que está realmente acontecendo.


Os EUA é o único grande país industrializado que não oferece assistência pública regular de saúde a toda a população. Não havendo assistência pública de saúde, os cidadãos têm de pagar por planos de seguro-saúde – e 50 milhões de pessoas, nos EUA, não têm meios para isso. Resultado, 18 mil cidadãos norte-americanos morrem por ano, exclusivamente por não terem acesso ao atendimento médico de que necessitam. Equivale a seis 11/9 ao ano, todos os anos, ano após ano. E os Republicanos acusaram de “matadores” os Democratas que tentam deter esses milhares de mortes –, e já conseguiram pô-los na defensiva.

Os Republicanos defendem o sistema existente, dentre outros motivos porque recebem gigantescas somas de dinheiro das empresas médicas privadas que se beneficiam do sistema que gera muitas mortes e muitos lucros. Mas não podem defender diretamente o sistema mortal, porque 70% dos norte-americanos consideram “imoral” defender um sistema de assistência médica que não oferece cobertura a todos os cidadãos. Então, os Republicanos são obrigados a inventar mentiras que operem o prodígio de fazer soar como depravação qualquer plano para estender a cobertura médica.

Há alguns meses, como membro recém incorporada à diretoria de um conglomerado de empresas de saúde privada, Betsy McCaughey noticiou a inclusão de uma cláusula no projeto de lei sobre saúde pública, que pagaria as despesas dos mais velhos para fazerem uma visita ao médico e uma visita ao tabelião para fazer uma declaração de vontade. Poderiam assim declarar quando (se, é claro) desejam que o tratamento seja suspenso. Seria ato totalmente voluntário. Muita gente deseja ter esse direito: eu mesmo não me interessaria por ser mantido vivo por alguns meses extra, em agonia e sem poder falar. Mas McCaughey lançou o boato de que aí estaria uma forma de eutanásia, pelo qual os velhos seriam forçados a concordar com a própria morte. Depois, a ‘cláusula’ passou a incluir também os incapazes, como o filho mais novo de Palin, o qual , nas palavras dela, teria de “justificar” a própria existência. Tudo isso sempre foi deslavada mentira – mas a direita já encontrara o ponto de apoio de que precisava; Palin declara que propostas (inexistentes) são “expressão do mal absoluto” – e propostas (existentes) são varridas do mundo.


A estratégia tem sido surpreendentemente bem-sucedida. Agora, todas as conversas sobre assistência pública de saúde têm de começar por os Democratas explicarem detalhadamente que não, não são favoráveis ao assassinato de velhinhos – enquanto os Republicanos insistem em defender um status quo que mata 18 mil norte-americanos por ano. A hipocrisia é de assustar: Sarah Palin, quando governadora do Alasca, encorajava os cidadãos a assinar aqueles documentos-testamentos, sobre suspensão de tratamento médico. Praticamente todos os Republicanos que hoje fazem campanha contra os “painéis da morte” votaram no passado a favor dos documentos-testamentos sobre suspensão dos tratamentos. E a mentira já fazia germinar sua semente maléfica: lançara-se para o alto uma mão de confetes envenenados, para confundir e distrair; em seguida, começaram a sumir os votos de apoio ao plano para salvar vidas.

Essas manifestações frenéticas separaram-se da realidade, de tal modo que soam hoje como comédias de humor negro. A revista US Investors' Daily, manifestamente de direita, publicou que, se Stephen Hawking fosse britânico, o sistema britânico “socialista” de saúde tê-lo-ia deixado morrer sem assistência. Hawking respondeu, depois de tossezinha polida, que é britânico e que “não estaria aqui, se o Serviço Nacional de Saúde britânico não existisse”.

Essa tendência de simplesmente negar fatos inconvenientes e inventar um mundo de fantasia não é novidade – apenas se está tornando cada vez mais espantosa. Percorreu os anos Bush com o entusiasmo de um jorro de bourbon em água. Quando se tornou claro que Saddam Hussein não tinha armas de destruição em massa, os EUA simplesmente ‘declararam’ que as armas haviam sido mandadas para a Síria.

Quando as provas científicas de que o homem está fazendo subir a temperatura média do planeta tornaram-se tão abundantes que já não podiam ser desmentidas, ‘declarou-se’ – nas palavras de um senador Republicano – que o aquecimento global seria “a maior dessas ‘lendas urbanas’ que se inventam por aí.” E que todos os climatologistas do planeta seriam “mentirosos’. A imprensa nos EUA então apresentou-se como ‘árbitro’ entre “os lados rivais”, como se os dois lados tivessem provas igualmente fidedignas, cada um a seu favor, e como se se tratasse de opiniões divergentes.


É uma vergonha, porque há algumas áreas nas quais uma filosofia conservadora – que fizesse lembrar os limites dos maiores projetos e potências humanas e recomendasse cautela – poderia ser corretivo útil. Mas não é o que se vê, vindo dos chamados “conservadores” que conhecemos: hoje, não fazem senão alimentar fantasias histéricas que sequer conseguem esconder completamente os mais brutais interesses financeiros e preconceitos de base.

Para muitas das principais figuras do Partido, trata-se de simples manipulação cínica. Um dos ex-conselheiros de Bush, David Kuo, disse que o presidente e Karl Rove por-se-iam a zombar dos evangélicos no instante em que saíssem da Casa Branca. Mas a base dos Republicanos acreditam, mesmo, nas bobagens que o Partido tem ‘declarado’. Estão sendo arrastados contra seus próprios interesses, por ação de falsos medos de demônios inventados. Semana passada, um dos Republicanos mandados a uma prefeitura para demolir um centro de atendimento médico começou uma briga e foi ferido – e depois reclamou que não tem seguro-saúde. Não é engraçado. Por pouco não chorei ao ouvir a história.

Como conseguem ser tão impermeáveis à realidade? Tudo começa, me parece, pela religião. São ensinados desde a mais tenra idade que é bom ter “fé” – e a fé, por definição implica crer em algo sem qualquer comprovação empírica. Ninguém depende de “fé” para acreditar que a Austrália existe; ou de que o fogo queima: há provas de tudo isso. Mas é preciso ter “fé” para acreditar em mentiras ou em eventos absolutamente improváveis. De fato, os Republicanos são ensinados que a fé é aspiração muito digna, a mais alta das aspirações e a mais nobre das causas. Não surpreende que essa lição invada todos os espaços mentais e contamine as ideais políticas? O pensamento baseado na fé espalha-se e contamina o pensamento racional.

Até agora, Obama não respondeu a esse massacre pela des-razão. Tem implementado uma estratégia de garra dupla: conciliar os interesses da elite econômica, e fazer piada sobre a marola de fanatismo que estão criando. Assegurou (vergonhosamente) às empresas farmacêuticas que um sistema expandido de saúde não usará o poder do governo como fator de barganha para fazer baixar os preços dos remédios –, ao mesmo tempo em que dizia, ao grande público, que “não estou planejando matar vovó”. Em vez de enfrentar declaradamente tanto os interesses mais agressivos quanto as fantasias mais bizarras, Obama optou por bajular uns e diminuir a importância das outras.

Esse tipo de loucura não pode ser vencida por sedução nem conquistada por cooptação: tem de ser derrotada. Muitas vezes, em política, o inimigo é inevitável e tem de ser derrotado democraticamente. O sistema político não pode ser atropelado pela necessidade de satisfazer os deputados mais doidos ou mais doentiamente ambiciosos. Não há como expandir o atendimento público de saúde sem enfurecer os laboratórios da ‘Big Pharma’ e os Republicanos mais pirados. Então, que seja! Como escreveu Arianna Huffington: “É tão sem sentido quanto seria, no auge do movimento pelos Direitos Civis, supor que seria preciso esperar que Martin Luther King e George Wallace concordassem. Esse não é o caminho para qualquer mudança.”

Por estranho que pareça, o Partido Republicano está realmente mergulhando num estranho culto bizarro, segundo o qual Barack Obama é matador de criancinhas e inventor ardiloso de sangrentos “painéis da morte” para matar os velhinhos norte-americanos. O novo slogan dessa gente poderia ser “bebês, encolham! Vovó, desapareça!”

O artigo original, em inglês, pode ser lido em...
http://www.independent.co.uk/opinion/commentators/johann-hari/johann-hari-republicans-religion-and-the-triumph-of-unreason-1773994.html

Traduzido pelo coletivo Política para Todos

Recebido através da Rede Castorphoto

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PressAA
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domingo, 23 de agosto de 2009

Laerte Braga coloca os pingos nos is da anistia

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“TODOS COMETERAM CRIMES”

TODOS QUEM, CARA PÁLIDA?


Laerte Braga

Em abril de 1964 militares comandados pelo general Vernon Walthers e subordinados no todo ao embaixador dos EUA no Brasil, Lincoln Gordon, com apoio da IV Frota daquele país, em águas territoriais brasileiras, depuseram o presidente constitucional do Brasil João Goulart e tomaram de assalto o poder. Iniciava-se um período de vinte anos de ditadura cruel e sanguinária, num processo de transformação do Brasil em colônia de interesses dos grandes grupos econômicos que controlam o mundo a partir de Washington e Wall Street.

O Brasil foi um dos muitos países latino-americanos onde os EUA compraram parte expressiva das forças armadas para sustentar ditaduras de extrema-direita. Esse tipo de ação aconteceu na África e na Ásia e obedecia à chamada doutrina de segurança nacional formulada numa comissão conhecida como Tri-lateral (AAA – América, África e Ásia). Da comissão, entre agências do governo dos EUA, faziam parte fundações como a FORD e a ROCKFELLER, representando interesses de grupos privados. A Fundação FORD hoje tenta controlar a Conferência Nacional de Comunicação convocada no Brasil para dezembro.

Quer ajudar a manter o monopólio da mentira, a chamada grande mídia.

Um ano após o golpe militar eleições para governador de dois dos maiores estados brasileiros, Minas e o antigo estado da Guanabara, mostraram que os ditadores não conseguiriam manter a farsa democrática que revestiu o golpe e foram extintos partidos políticos, imposto o bi-partidarismo, as eleições indiretas para governos estaduais, criados mecanismos para o controle do Parlamento e de assembléias legislativas e acelerado o processo que montou um impressionante aparelho repressivo, sem o qual a ditadura não teria conseguido sobreviver.

Milhares de resistentes foram presos, outros se buscaram asilo em países mundo afora e muitos torturados, estuprados e assassinados em prisões brasileiras. São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador e Recife eram os principais centros de tortura.

O aparelho repressivo foi montado numa espécie de complexo entre militares, policiais estaduais sob controle de Brasília e empresa privada. Um deles, a OBAN – OPERAÇÃO BANDEIRANTES – teve a participação de empresas como a Mercedes Benz, a Supergasbras, jornais como a FOLHA DE SÃO PAULO (emprestava seus veículos para o transporte de presos torturados e que eram assassinados e desovados em partes da capital paulista e do seu entorno).

O DOI/CODI, departamento e centro de operações repressivas, que juntava todo o conjunto das forças ditatoriais na área, mais tarde, sob a coordenação do governo dos Estados Unidos, somou-se a aparatos semelhantes de países do chamado CONE SUL (BRASIL, ARGENTINA, URUGUAI e incluía também CHILE e PARAGUAI, todos sob ditaduras militares) na OPERAÇÃO CONDOR.

Líderes de oposição eram presos e assassinados, um deles em New York (Orlando Letelier, consultor da ONU e ex-chanceler do governo deposto de Salvador Allende, no Chile). Outros eram presos, torturados e entregues em seus países de origem, caso do major Joaquim Cerveira. Preso na Argentina, levado para o Uruguai e entregue ao DOI/CODI de São Paulo, então comandado pelo coronel Brilhante Ulstra, um dos mais covardes e sanguinários torturadores brasileiros. Cerveira oficialmente foi morto no Rio de Janeiro.

Dan Mitrione, que chegou a virar nome de rua no Brasil (não é mais), foi um dos agentes enviados pelos EUA para treinar e instruir torturadores no Brasil, no Chile, na Argentina e no Uruguai. Foi capturado por forças resistentes em Montevidéu, julgado e executado.

A anistia concebida e formulada pelo regime militar tinha um objetivo principal, já que percebida a repulsa do povo ao governo ditatorial e a impossibilidade mantê-lo por um tempo maior. O de evitar, no caso do Brasil, a prisão e o julgamento de torturadores, caso do próprio Brilhante Ulstra, ou de figuras consideradas dentro da caserna, sob controle dos golpistas, como “patriotas” e “democratas”.

Se na Argentina, no Chile e no Uruguai os principais agentes da repressão foram presos e julgados, o próprio Pinochet foi preso no exterior e em seu país; no Brasil permanecem impunes. E escondidos. A história da repressão, da boçalidade do regime militar, do caráter abjeto dessas figuras, entre nós, tem sido revelada em pingos de conta-gotas, arrancada a fórceps diante da intransigência de boa parte dos militares de deixar vir a público os documentos oficiais desse período.

E da obstinação que compromete a própria instituição forças armadas, em manter impunes os responsáveis por essa fase sombria e repugnante da história do Brasil.

Casos como o da estilista Zuzu Angel, morta em condições misteriosas depois de denunciar ao mundo o caráter despótico e sanguinário do regime (seu filho Stuart Angel foi preso, torturado e assassinado pelos militares) chegaram a virar filme e a comover a opinião pública do País. Ou o do jornalista Wladimir Herzog, do operário Fiel Filho, mortos já no chamado período de distensão, nas dependências do DOI/CODI de São Paulo.

O que, aparentemente, era um instrumento legal destinado a permitir a volta de brasileiros que estavam no exílio, ou o fim dos crimes contra a “segurança nacional”, numa pressuposta condição de “maturidade do povo brasileiro”, para tomar em suas mãos o seu destino através de uma nova constituição, eleições diretas para presidente e governos estaduais, fim da censura da imprensa, ou do caráter de imprensa oficial da ditadura, REDE GLOBO, era e continua sendo uma forma de garantir a impunidade de torturadores.

A expressão “todos cometeram crimes” não tem sentido e implica a admissão de crimes por parte da ditadura militar. Se o regime foi oriundo de um golpe contra instituições em pleno funcionamento, contra um governo legal, a resistência não se constitui crime e nem pode. A tortura, à luz do direito internacional, é crime hediondo e imprescritível.

E até porque a repressão começa no próprio golpe, no dia do golpe, com as prisões das principais lideranças de oposição, lideranças populares, e muitas vezes meros desafetos, em fatos que revelaram de imediato a natureza e os propósitos do golpe. As cassações em massa. Deputados, senadores, professores, cientistas de renome internacional, figuras como Celso Furtado, Oscar Niemeyer, foram postos à margem da “lei”, da estupidez e da boçalidade dos que tomaram o poder.

A história não contada da guerrilha do Araguaia e da execução de guerrilheiros a sangue frio e depois de incontáveis sessões de tortura e todo o regime de horror montado contra populações da área na sanha repressiva dos homens e instrumentos da ditadura.

A anistia foi uma conquista da luta como um todo e os golpistas no poder trataram de estendê-la aos seus carrascos. De torná-la ampla, geral e irrestrita, palavras que na verdade, antes de se referirem a resistentes políticos, opositores, garantiam a impunidade a figuras da repressão em todo o processo.

Os trinta anos da lei da anistia nos remetem à necessidade de rediscutir esse período da nossa história. Trazer a público toda a inteira dimensão da violência que foi o golpe de 1964 e levar ao banco dos réus os torturadores.

Não como ação de vingança ou revanche, rótulos que esses “patriotas” costumam usar para esconder as práticas covardes e desumanas. Mas como exigência de algo maior, a História. Para que toda a prática estúpida e golpista dos militares responsáveis por 1964 seja pública. Para que não se repitam anos de horror e crueldade, para que se puna o crime da tortura em todos os seus espectros, origem e conseqüência, já que, em si, descaracteriza o ser humano como espécie racional.

A reação e a resistência ao golpe militar foi uma conseqüência legítima e uma luta de bravura, dada até a correlação de forças, como agora em Honduras, onde saem das catacumbas os “célebres” generais do patriotismo canalha atrelado a interesses de grupos econômicos.

Os trinta anos da lei de anistia sinalizam a necessidade de ruptura com o passado golpista e ditatorial e essa ruptura passa por revelar toda a inconseqüência bestial do regime. Do contrário permanecem impunes assassinos, estupradores, escondidos sob o manto de uma lei que não pode permitir que um período de barbárie vivido por uma Nação permaneça oculto e seja desconhecido de boa parte do seu povo.

A expressão “todos cometeram crimes” é cínica, covarde e revela o inteiro teor dos golpistas.

Todos quem cara pálida? Desde quando resistir a golpes de estados, a violência e a boçalidade de regimes totalitários, é crime?

Existe ainda um longo caminho a ser trilhado na luta popular. Para que se conheça esse rio de sangue de milhares de brasileiros vítimas de 1964 e que permanece com seu curso oculto e escondido na costumeira covardia que é marca registrada de golpistas em qualquer lugar do mundo. Como desaparecidos, portanto ocultos, estão os corpos de brasileiros que tombaram na luta contra a ditadura. E órfãs as suas famílias. E a história do Brasil, logo, o povo brasileiro.

Essa história não pode ficar insepulta. Muitos dos seus protagonistas, do lado da ditadura, estão vivos e ativos, caso do presidente do Senado José Sarney, dos ex-presidentes da República Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso (o falso preso político, cabo Anselmo com “patente” de general Anselmo) e continuam causando males ao Brasil e aos brasileiros.

Laerte Braga é jornalista, escritor, cineasta e colabora com esta Agência Assaz Atroz.

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PressAA

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quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Direito à memória e à verdade

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30 ANOS DE ANISTIA

Urariano Mota

Recife (PE) - No próximo sábado 22 de agosto, comemoram-se os 30 anos da anistia no Brasil. Por isso recupero aqui algumas impressões da leitura de um livro fundamental, “Direito à memória e à verdade”, editado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República.

O livro “Direito à memória e à verdade” é um livro grande, com 500 páginas, nas dimensões de 23 x 30 centímetros. Por suas dimensões físicas, é um livro que somente comporta ser conduzido como um escudo, como um símbolo de orgulho, para ser ostentado nas praças e nos ônibus. Mas o que mesmo exibe e informa tal volume?

De um ponto de vista frio, o livro é como uma recondução a um mundo que se rebela contra a mediocridade, contra tudo o que for mesquinho e pequeno. Em suas páginas amarelas, quem lê suas letras lê o destino de homens. Quem lê as suas linhas lê a luta de uma geração. E, coisa mais interessante, este é um livro sem autor. Melhor, é um livro de autores, de muitos autores, um registro de vidas reunidas como em uma coleção de prontuários de polícia. Os seus perfis saem das páginas dos processos, e poucas vezes se viram processos tão antiprocessos. São homens e mulheres, são jovens e quase-crianças, são velhos, malditos e amaldiçoados pela dor na consciência. São renegados que se matam. São homens tornados seres desequilibrados, são gente, enfim, em condições-limite.

“Maria Auxiliadora Lara Barcellos (1945-1976)

Maria das Dores atirou-se nos trilhos de um trem na estação de metrô Charlottenburg, em Berlim... tinha sido presa 7 anos antes, Nunca mais conseguiu se recuperar plenamente das profundas marcas psíquicas deixadas pelas sevícias e violências de todo tipo a que foi submetida. Durante o exílio registrou num texto... ‘Foram intermináveis dias de Sodoma. Me pisaram, cuspiram, me despedaçaram em mil cacos. Me violentaram nos cantos mais íntimos. Foi um tempo sem sorrisos. Um tempo de esgares, de gritos sufocados, de grito no escuro’....

Nilda Carvalho Cunha (1954-1971)

Sua prisão é confirmada no relatório da Operação Pajuçara, desencadeada para capturar ou eliminar Lamarca e seu grupo. Foi liberada no início de novembro, profundamente debilitada em conseqüência das torturas sofridas e morreu no dia 14 de novembro, com sintomas de cegueira e asfixia. Nilda tinha acabado de completar 17 anos quando foi presa... ‘Você já ouviu falar de Fleury? Nilda empalideceu, perdia o controle diante daquele homem corpuloso. – Olha, minha filha, você vai cantar na minha mão, porque passarinhos mais velhos já cantaram. – Mas eu não sei quem é o senhor. – Eu matei Marighella. Vou acabar com essa sua beleza- e alisava o rosto dela....

Odijas Carvalho de Souza (1945-1971)

Odijas foi levado para o Hospital da Polícia Militar de Pernambuco em estado de coma, morrendo dois dias depois, aos 25 anos... ‘No dia 30 de janeiro de 1971 fui acordado cedo por uma grande movimentação. Por volta das 7 horas, Odijas passou diante da cela, conduzido por policiais. Apesar da existência da porta de madeira isolando a sala do corredor, chegaram até nós os gritos de Odijas, os ruídos das pancadas e das perguntas cada vez mais histéricas dos torturadores. Durante esse período, Odijas foi trazido algumas vezes até o banheiro, colocado sob o chuveiro para em seguida retornar ao suplício. Em uma dessas vezes ele chegou até a minha cela e pediu-me uma calça emprestada, porque a parte posterior de suas coxas estava em carne viva. Os torturadores animalizados se excitavam ainda mais, redobrando os golpes exatamente ali”.

Como vêem, difícil é manter a serenidade, a frieza, um ar apolíneo, razoável, sensato, diante desse mundo que se encontra submerso, mas jamais superado, morto, vencido. Eu, que não sabia como começar, confesso que também não sei como pôr fim a estas linhas. Eu havia escrito antes notas, reflexões, coisas digamos mais sociológicas, dignas de tese, que iludem toda a gente, que pode nos tomar como um ser culto, inteligente, sábio, espirituoso. Basta de falsidade, porque

“ – Teu nome completo é Mário Alves de Souza Vieira?

- Vocês já sabem.

- Você é o secretário-geral do comitê central do PCBR?

- Vocês já sabem.

- Será que você vai dar uma de herói? ...

Horas de espancamentos com cassetetes de borracha, pau-de-arara, choques elétricos, afogamentos. Mário recusou dar a mínima informação e, naquela vivência da agonia, ainda extravasou o temperamento através de respostas desafiadoras e sarcásticas. Impotentes para quebrar a vontade de um homem de físico débil, os algozes o empalaram usando um cassetete de madeira com estrias de aço. A perfuração dos intestinos e, provavelmente, da úlcera duodenal, que suportava há anos, deve ter provocado hemorragia interna”.

É terrível que a importância de um livro, que a importância da palavra escrita, se dê em relatos tão cruéis. Mas a realidade não se escolhe. Quem toca nesse livro, toca em destinos.

Urariano Mota, jornalista, escritor, é natural do Recife. Publicou contos em Movimento, Opinião, Escrita, Ficção e demais publicações alternativas, na época da ditadura. Muitas “menções honrosas” depois, publicou o romance Os Corações Futuristas http://www.novae.inf.br/site/modules.php?name=Conteudo&pid=657 , cuja paisagem humana e física é a ditadura Médici, no Recife. Tem inédita uma novela policial, O Caso Dom Vital, que possui tema e enredo censurados por editoras. Nela, critica cruelmente o ensino em colégios brasileiros.

Leia mais sobre Urariano Mota, colaborador da AAA-PressAA, em...

http://www.eunanet.net/beth/news/topicos/urariano_mota_1.htm

Leia online o livro "Direito à Memória e à Verdade", editado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República.

http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sedh/.arquivos/livrodireitomemoriaeverdadeid.pdf

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PressAA

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segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Quem são os buchas? Não abra os olhos! Tampone os ouvidos! Senão você vai saber que somos todos nós, gente do povo!

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A BOLSA OU A VIDA?


Aumento da renda faz 2 milhões de famílias deixarem programa federal
Do início do programa Bolsa Família, em 2003, até julho deste ano, 1,96 milhão de famílias saíram das condições de pobreza e extrema pobreza e deixaram de receber o benefício, de até R$ 140,00 por pessoa, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).

Outras 50.643 pediram voluntariamente o desligamento do programa desde 2003 por não precisarem mais do auxílio e para ceder lugar a outras famílias. “O processo de transferência de renda tem proporcionado mudanças tanto do ponto de vista individual das famílias, mas também nas comunidades”, explicou a secretária nacional de Renda e Cidadania do MDS, Lúcia Modesto, responsável pelo programa.

Jornal Hora do Povo
http://www.horadopovo.com.br/ModelosNovaEdicao/P4/pag4g.htm


Raul Longo

"A bolsa ou a vida!"
Antigamente dava-se este direito de escolha aos distraídos e desavisados que se arriscavam pelas esquinas escusas em horas escuras. Amigos cariocas, paulistanos ou de qualquer grande cidade brasileira me contam que hoje apenas berram: "Perdeu!" - e seja qual for a hora da noite ou do dia, em qualquer lugar, levam o que o cidadão tiver no momento: bolsa, carro, relógio, cartão de crédito, saldo bancário, integridade, segurança, resgate. Se não tiver nada, levam sua vida. Muitas vezes, mesmo que pague pela sobrevivência, é morto por puro desespero ou desumanidade. Outra vezes, perde toda a família: a filha pro estupro, o filho para as drogas.

Aí o cidadão distraído acredita na propaganda afirmando ser seu filho quem financia a violência do crime organizado ao adquirir a droga que consome. Distraído e acomodado, preguiçoso, o cidadão acredita. Se fizesse um mínimo de esforço para raciocinar por si próprio, ao invés de repetir o que se diz na TV, concluiria que é impossível aos ditos "comandantes do tráfico" adquirirem arsenais tão sofisticados, sempre repostos, depois de cada apreensão policial.

Se não tivesse raciocínio tão condicionado, o cidadão concluiria que, por maior que seja a freguesia de um bando, de bairro de periferia, de morro, se o tráfico rendesse a quantia necessária para a aquisição dos fuzis e obuses de que se armam seus "soldados", ao menos os líderes, os chefes de quadrilha, esses que a imprensa geralmente noticia como fugitivos, já seriam miliardários.

Acreditando na imprensa, o cidadão bestificado não consegue perceber que só para essas armas chegarem ao país e serem distribuídas nos morros e periferias, se faz necessária a montagem de toda uma logística que requer muitas influências, corrupções e, sobretudo, dinheiro. Muito dinheiro.

Dinheiro do chefe do bando que vive escondido em barracos, encafuado em moquifos? Se o cidadão não fosse tão preguiçoso e lerde de raciocínio, logo concluíria que impossível, idiota e ridículo uma suposição dessas, e acabaria desconfiando que quem financia o armamento e todo o tráfico de drogas que lesa o cerébro de seu filho viciado, está bem longe do morro ou da periferia.

Mas aí se correria o risco de esse cidadão da cidade, do bom bairro de classe média, desconfiar também que quem financia o arsenal do crime organizado não é a "trouxinha" ou o kg. que seu filho e os amiguinhos de seu filho compram para animar os embalos dos finais de semana. E vai que esse cidadão comece a ficar mais ou menos inteligente e, de repente, se apercebe que quem financia o armamento pesado do tráfico é seu próprio voto!


Então aí é que entra a TV, o jornal, a revista. Aí é que entra a mídia para lesar seu cerébro e fazer com que você acredite que o culpado do seu sequestro, do estupro de sua mulher ou filha, ou da sua própria morte, é dos amiguinhos daquele filho que "trouxinha a "trouxinha", "muca a muca", "galo a galo", "tijolo a tijolo" teriam construído o paiol de cada fortaleza do crime organizado.

E a partir daí você nem mesmo consegue raciocinar que seu voto teve algo a ver com dois sequestros seguidos de toda a população de uma das três maiores cidades do mundo, ambos comandados de dentro de um presídio de segurança máxima. Você não consegue sequer desconfiar da coincidência entre o governo daquele estado que deveria ser o de maior em segurança do país, e o terror disseminado por uma facção do crime organizado.

Aliás, você ainda consegue lembrar do terror da maior cidade do país sequestrada pelo PCC?

Muito mais idiotizado do que a cabeça de seu filho pela cocaína ou pelo exctasy, você bate a mão no bolso e acredita que é ali que está sendo lesado, a cada vez que a mídia o convence de que o programa Bolsa Família é esmola. Imbecilizado, você não é capaz, sequer, de comparar a progressão da violência urbana nas década de 80 e 90, com a contenção e até mesmo franca regressão em estados há mais tempo governados por programas correlatos e complementares ao do governo federal.

Não lhe é possível compreender que ao dar condições ao mais pobre para que se estabeleça em seu local de origem, ao oferecer condições mínimas de sobrevivência, ao criar vínculos familiares, meios de frequência ao estudo básico, base para que as multidões de miseráveis ascendam dessa condição para a de cidadãos produtivos, contribuintes com o desenvolvimento do país; se está desviando a mira do cano de um revólver de sua própria cabeça, diminuindo as probabilidades de violência de estupro de sua filha, reduzindo a reposição do contingente do exército do tráfico.

Da mesma forma que não lhe é possível saber a que são embaladas as festinhas das redações da grande imprensa que tão bem o convencem dos males das drogas que eles mesmos consomem, da mesma forma que não lhe é possível saber como aqueles que você ajuda a eleger ao Congresso ou à Assembléia e governo do seu estado, ou Câmara Muncipal e prefeitura de sua cidade, compram os votos de comunidades inteiras de morros e periferias, entregando alí, onde nem a polícia tem acesso, carregamentos de fazer inveja a muitos exércitos e grupos de guerrilha de vários países.

Aí, nas próximas eleições, você, Zé Ninguém da classe média estupidificada e incapaz de qualquer raciocínio próprio, vai depositar seu voto na urna, indignado contra um governo que lhe induziram a acreditar estar dando esmola. Você não será capaz de ver, mas nesse momento estará apontando uma arma para a própria cabeça. Não será o seu dedo que terá controle sobre o gatilho, mas você é quem estará voltando a arma contra si mesmo e contra sua família.

Você não será capaz de ouvir, mas ao apertar o botão confirmando seu voto, alguém vai estar lhe confirmando: - Perdeu!

Mas você ainda tem um ano e meio para usufruir desse direito que também lhe convenceram que seria excluído pelo atual presidente. Lembra-se de mais essa mentira, quando pela internet corria a revelação apócrifa de um plano de golpe por um terceiro mandato? Todas as covardes mentiras contra o atual governo são apócrifas, mas você acredita nelas tanto quanto acredita na mídia que também insistiu, à exaustão, no tal plano de manutenção de poder. Assim mesmo, mesmo acreditando em qualquer mentira que lhe contam, você tem o prazo regulamentar de um ano e meio para escolher o que prefere para depois de 2010: o bolsa família ou a vida?



Raul Longo
pousopoesia@ig.com.br
pousopoesia@gmail.com
www.sambaqui.com.br/pousodapoesia
Ponta do Sambaqui, 2886
88.051-001 - Floripa/SC
Tel: (48) 3206-0047

Raul longo é jornalista, escritor, pousadeiro e, last but not least, colaborador da Agência Assaz Atroz - PressAA


Ilustrações: Atroz Webmastro

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PressAA
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sábado, 15 de agosto de 2009

PressAA: Pelo fortalecimento da solidariedade internacional ao povo palestino

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"Liberdade agora, para a nossa geração!"

Os palestinos só têm duas escolhas possíveis: ou continuar a evitar a luta, como alguns têm tentado fazer, ou contribuir para a decisão coletiva nacional de engajar-se na luta.

A opção pela luta não implica necessariamente a via das armas. Em matéria de violência armada Israel tem vantagem flagrante, tanto de armamento convencional quanto de armas nucleares. Os países árabes que têm Israel como vizinho próximo não têm nem os meios nem as competências necessárias para escolher a via militar. Contudo, a incapacidade para declarar guerra não implica rendição automática nem implica desistir de outros meios de luta.

Por mais poderoso que seja em termos militares, Israel tem dois grandes pontos muito fracos.

Primeiro, ninguém consegue impor soluções políticas pela força das armas a um povo determinado a sustentar luta de resistência. Essa impossibilidade foi amplamente demonstrada em duas guerras de violência extrema que Israel moveu contra o Líbano e, mais recentemente, no assalto que Israel tentou contra Gaza. Segundo, quanto mais os palestinos resistem sem retroceder, e quanto mais o fator demográfico vai ganhando peso como fator decisivo do conflito, mas claramente se pode ver que Israel é governo de apartheid hostil à paz. Se a limpeza étnica de 1948 e o expansionismo colonialista descrevem bem as circunstâncias que cercaram o nascimento do Estado de Israel, leis recentemente aprovadas, relacionadas à exigência de declarar fidelidade a um Estado judeu e que proíbem que os palestinos rememorem a nakba ["a catástrofe"] manifestam muito claramente o caráter essencialmente racista do Estado de Israel hoje.

Por ironia, no mesmo momento em que Israel alcança o ponto máximo do empenho para dividir e fragmentar a unidade do povo palestino, com barreiras de segregação entre israelenses e não-israelenses, entre Jerusalém e a Cisjordânia, entre a Cisjordânia e Gaza e entre um setor e outro na Cisjordânia, por barreiras, muros, estradas exclusivas para judeus... os palestinos reunificaram-se e fortaleceram-se, ante as dificuldades e os muitos desafios que enfrentam. Tenham ou não a cidadania israelense, ou residam em Jerusalém, na Cisjordânia ou em Gaza, todos os palestinos são vítimas, sempre, da discriminação sistemática e do apartheid que caracteriza a ordem israelense.

Se a única via para superar a tragédia dessa ocupação é engajar-se na luta, os palestinos afirmamos que nosso movimento nacional de libertação continua vivo. Além disso, afirmamos também que a ação política e diplomática não é via alternativa contra a luta, mas é parte fundamental da gestão do conflito. De fato, a ação política e diplomática é um dos nossos instrumentos mais eficazes para denunciar a verdadeira natureza de Israel, para isolá-la politicamente e para conseguir que se imponham sanções internacionais contra Israel.

Nesse contexto, temos de questionar a teoria que recomenda construir instituições em país sob ocupação. Governo cujos serviços de segurança consumam 35% do orçamento público; que atue como policiais da ocupação, ao mesmo tempo em que contribui para implantar os esquemas de Netanyahu para uma "normalização econômica", em vez de encaminhar solução política, é governo claramente dirigido para promover a aclimatação ao status quo, não para transformá-lo.

Construir instituições de governo palestino e promover genuíno desenvolvimento econômico são metas que só se podem perseguir se enquadradas numa filosofia de "desenvolvimento de Resistência".

Essa filosofia fundamenta-se no duplo princípio de (1) dar suporte às potências do povo palestino para que sobreviva às durezas e à violência da ocupação e (2) reduzir a dependência dos financiamentos estrangeiros e da ajuda humanitária internacional.

O objetivo estratégico da luta dos palestinos, sob esses princípios, para construir um "desenvolvimento de Resistência" deve ser: "tornar tão altos, a ponto de serem insustentáveis para Israel, os custos da ocupação e do sistema do apartheid."

Se os palestinos aceitarem essa formulação e esse curso de ação para organizar a luta, o passo seguinte, então, será adotar uma estratégia nacional unificada a ser construída sobre quatro fundamentos:

1. Resistência. Sob todas as suas formas, a resistência é direito internacionalmente reconhecido dos palestinos. Sob a estratégia que aqui se constrói, porém, é indispensável que a resistência assuma traços de movimento de massas e de resistência pacífica, que servirá para fazer reviver a cultura de ativismo coletivo em todos os setores do povo palestino e, assim, impedir que a resistência converta-se em monopólio de pequenos grupos e favorecer que cresça com ímpeto e potência. Já há modelos desse tipo de resistência.

Deve-se registrar, por exemplo, a campanha persistente e valente contra o Muro da Separação, que já se espalha para várias cidades e vilas, que já ofereceu cinco mortos à causa da Palestina e que se fortalece mais a cada dia. A resistência dos que vivem em Jerusalém Leste e Silwan contra a demolição de casas pelos soldados israelenses e de resistência contra a tentativa de judeicizar cidade também é modelo heroico. Mais um exemplo promissor pode ser encontrado, também, no movimento de boicotar os produtos produzidos por Israel e estimular o consumo de produtos produzidos localmente. Além de impedir que o poder ocupante embolse os lucros da venda de produtos produzidos localmente, essa modalidade de resistência pode alcançar amplas porções da população, e fazer acordar a cultura e o espírito de colaboração local comunitária.

As campanhas para quebrar o bloqueio contra Gaza – por exemplo, os barcos de ativistas e militantes pró-Palestina livre, as caravanas que trazem suprimentos e todos os modos de pressionar Israel para que ponha fim ao estrangulamento econômicos de Gaza – são também modalidades importantes da Resistência.

2. Apoiar e estimular o caráter nacional da Resistência. Esse fundamento visa a fortalecer o poder demográfico do povo palestino, para que os milhões que somos convertam-se em poder efetivo de movimento de massas. Para isso, é preciso satisfazer as necessidades essenciais de sobrevivência dos palestinos, de modo a que possamos continuar resistindo; e desenvolver os recursos humanos palestinos como fonte e base de uma economia palestina forte e independente.

Para que isso seja possível, é preciso modificar o projeto econômico e o orçamento da Autoridade Palestina (AP), de modo a que passem a visar prioritária e diretamente à educação, saúde, agricultura e cultura; hoje, 1/3 do orçamento nacional é consumido para tentar garantir uma sempre impossível segurança.

Por exemplo, a imediata aprovação da lei que cria o fundo para a educação superior na Palestina é fator importante para atender às necessidades de centenas de milhares de jovens adultos. Além de elevar e desenvolver os padrões da formação universitária, servirá também para sustentar o impacto positivo da contribuição internacional para o desenvolvimento e para finalidades humanitárias imediatas. O fundo para a educação superior também diminuirá a carga que pesa sobre mais de 150 mil famílias que pagam para manter os filhos na universidade; porá fim ao nepotismo reinante na alocação de bolsas de estudo e empréstimos 'educacionais'; e democratizará as oportunidades de acesso à universidade para todos os adultos jovens, homens e mulheres, de todas as categorias sociais. Outras ideias inovadoras e criativas podem ser implantadas em outras áreas da educação palestina, para estimular o avanço em termos de saúde pública, agricultura e cultura, com vistas à meta de desenvolver recursos humanos atualizados e efetivos, indispensáveis para a construção de um Estado palestino tão autônomo quanto possível e, assim, capaz de enfrentar pressões, por maiores que sejam.

3. Unidade nacional e liderança nacional unificada. Esse objetivo estratégico implica reestruturar a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) a partir de uma base demograficamente mais representativa, e implementar acordos já construídos nos diálogos nacionais palestinos realizados no Cairo. Ao longo dos últimos poucos anos, o peso da maior vantagem relativa de Israel e a violência desse assalto foram reforçados pela fragilidade das lideranças palestinas, frágeis porque divididas. Para corrigir esse vício, os palestinos temos de adotar outra abordagem e outro modo de ver a realidade.

Especificadamente, os palestinos temos de abandonar a prática e a mentalidade que nos faz insistir em competir pelo poder de um governo já subjugado pelo peso da ocupação, seja na Cisjordânia seja em Gaza. Os palestinos temos de desistir da ilusão de que um poder militar palestino, por maior que possa vir a ser, seria capaz de, sozinho, liderar a luta de libertação dos palestinos.

Os palestinos temos de abraçar a democracia e práticas e processos democráticos pluralistas como modo de vida, como meios de autogoverno e como as únicas vias aceitáveis para decidir nossas disputas e diferenças. Temos de resistir a todas as pressões e tentativas externas (sobretudo às que venham de Israel) de intervir em nossos assuntos internos e de distorcer o desejo do povo palestino. Temos de construir e manter convicção inabalável no direito dos palestinos à autodeterminação e à independência nacional.

A tarefa mais difícil, hoje, para os palestinos, é construir liderança unificada e laços estratégicos entre todos, de modo que nenhuma decisão política ou militar seja decisão apenas de uns, e de modo que nenhum grupo, separadamente, tenha o monopólio do poder para decidir. Assim criaremos liderança e estratégica unificadas que nos habilitarão a agir contra o bloqueio como força unificada, em vez de fugirmos da unidade, por medo do bloqueio. Com liderança e estratégia unificadas assumiremos as rédeas da iniciativa que, hoje, é sempre de outro; assim poderemos coordenar as reações, em vez de apenas saltar de uma reação a outra; assim, também, todos poderemos concentrar energias para fazer acontecer o que desejamos que aconteça, em vez de desperdiçarmos energias em disputas internas nas quais todos os grupos buscam auxílio externo para fortalecer suas respectivas posições em disputas internas.

Só depois de termos liderança nacional unificada poderemos alterar a equação que subordinou o movimento de libertação nacional aos interesses estreitos da Autoridade Palestina (na Cisjordânia e em Gaza). Só então conseguiremos converter a Autoridade Palestina em instrumento a serviço do movimento nacional de libertação.

4. Construir e estimular um movimento internacional de solidariedade aos palestinos, que trabalhe também para impor sanções a Israel. Esse movimento já existe e nunca parou de crescer. Mas é preciso esforço gigantesco para organizar adequadamente as iniciativas de modo a que alcancem com a máxima efetividade o maior número possível de autoridades com poder de decisão, sobretudo na Europa e no Ocidente. Comunidades palestinas, árabes e muçulmanas têm de ser organizadas para trabalhar, todas, na direção de objetivos comuns. O movimento de solidariedade já alcançou alguns sucessos significativos, com a organização de boicote aos produtos israelenses; com a decisão, tomada pela Federação de Universidades Britânicas, de não acolher intelectuais israelenses; e com a decisão, tomada pelo Hampshire College e algumas congregações religiosas nos EUA, que se recusam a fazer investimentos em Israel. Mas é preciso trabalhar muito mais para aumentar a abrangência dessas atividades e aumentar o alcance do movimento internacional de solidariedade aos palestinos.

O sofrimento do povo palestino, que Nelson Mandela descreveu como o mais difícil desafio para a consciência humanitária internacional, assemelha-se muito ao que se via acontecer na África do Sul no início dos anos 80s. Foram necessários muitos anos de trabalho unificado, antes de o movimento de libertação da África do Sul, afinal, conseguir atrair a solidariedade de governos e governantes. O momento decisivo aconteceu quando grandes empresas perceberam o quanto lhes custava negociar com o regime de apartheid de Pretoria; quando esses custos tornaram-se insustentáveis, o apoio daquelas empresas mudou de direção.

No caso da Palestina, o sucesso de um movimento internacional de solidariedade depende de três principais fatores. Primeiro, de atenta e cuidadosa organização e planejamento detalhado; de alto grau de disciplina e de coordenação cuidadosa. Segundo, de retórica racional, civilizada, que não se deixe enredar nas táticas de provocação de Israel. Terceiro, de aproximação e contato com movimentos progressistas em todo o mundo – inclusive com judeus antissionistas e todos quantos se oponham às práticas genocidas do governo israelense.

Sei que não há muitas novidades no que aqui proponho. Mas, embora sejam ideias já conhecidas, poucas delas foram até agora postas em prática. Para pôr em prática o que aqui proponho é preciso operar a partir do princípio de que, embora a causa palestina seja causa palestina, árabe e muçulmana, é também e sobretudo uma causa humanitária que clama pela solidariedade de todos que, em todo o mundo, prezam os valores e os princípios humanitários.

O sucesso dos que lutaram pela liberdade na África do Sul, nos movimentos contra a guerra do Vietnam e nas campanhas pela independência da Índia foi consequência, sobretudo, da capacidade que aqueles movimentos tiveram para gerar uma voz de solidariedade universal. Temos de conseguir isso também a favor do povo palestino. Nossas palavras-de-ordem por um movimento de solidariedade com o povo palestino têm de ser "contra o novo apartheid e o racismo sistemático" e "pela justiça e o direito à liberdade".

A Corte Internacional de Justiça já se manifestou sobre a ilegalidade do Muro da Separação, sobre a ilegalidade das colônias exclusivas para judeus e sobre a ilegalidade de qualquer intervenção na cidade sagrada de Jerusalém. Esses são preciosos precedentes jurídicos que as instituições dos governos palestinos ignoram há quatro anos. Essas manifestações da CIJ devem ser nossa plataforma na luta para impor sanções contra Israel, exatamente como a resolução da ONU contra a ocupação da Namíbia foi plataforma a partir da qual se construiu a campanha contra o sistema do apartheid na África do Sul.

A estratégia de quatro faces delineada acima, que é a estratégia proposta pelo Movimento da Iniciativa Nacional Palestina (Al Mubadara, http://www.almubadara.org/new/english.php), pode ser bem-sucedida se orientada por visão clara, paciência e persistência sistemática. Não espero obter aprovação unânime. Os interesses, combinados ao sentimento de frustração e desespero, esterilizaram o desejo de alguns, de engajar-se na luta ou de insistir no confronto contra Israel.

Também temos de reconhecer que alguns setores da sociedade palestina tornaram-se tão completamente dependentes de acertos e projetos precários que se construíram ao longo dos anos de ocupação e do socorro financeiro que recebem de fora, que não cabe esperar que se interessem por qualquer luta que vise a mudança real. Tudo isso considerado, a estratégia ampla aqui proposta responde aos interesses da vasta maioria do povo palestino e carrega uma promessa realista de melhor futuro.

A luta nacional palestina já passou, até aqui, por duas grandes fases: a primeira, conduzida pelos palestinos da diáspora, ignorou o papel dos palestinos que vivem na Palestina; e a segunda, conduzida pelos palestinos que vivem na Palestina, ignorou o papel dos palestinos da diáspora.
Estamos hoje no início de uma terceira fase, na qual temos de combinar a luta em casa, a campanha dos palestinos da diáspora e, também, o trabalho de todos quantos, em todo o mundo, se solidarizem com essa luta.

Para encerrar, gostaria de comentar a questão dois "Dois Estados" ou do "Estado Único". Parece-me válido levantar a questão aqui, tanto por motivos teóricos quanto por interesse prático, por dois motivos. Primeiro, porque Israel trabalha insistentemente para minar a possibilidade de criar-se qualquer Estado palestino, insistindo sempre na repetição dessas fórmulas que sempre implicam ou um Estado apenas provisório, ou um Estado sem real soberania. Segundo, porque as mudanças já consumadas pela construção de colônias israelenses e de estradas de ligação entre elas exclusivas para israelenses, já tornaram irrealista qualquer possibilidade de haver qualquer Estado palestino viável.

Alguns, sobretudo palestinos da diáspora, entendem que deixar de exigir a solução "Dois Estados" e passar a exigir a solução "Estado Único" seria aceitar algum remédio que oferece algum alívio. Qualquer remédio talvez pareça melhor que nenhum remédio; mas que não se espere qualquer alívio. Frases, rótulos e slogans jamais puseram fim a lutas de libertação. Slogans sem estratégia e muito empenho são e continuam a ser só desejo – e, em muitos casos, são apenas modos elegantes de não assumir qualquer responsabilidade e livrar-se do correspondente (muito) trabalho.

Sejamos bem claros. Israel já trabalha em tempo integral para destruir qualquer possibilidade de que algum dia haja qualquer Estado palestino; não há, de fato, qualquer possibilidade real de implementar a solução "Dois Estados". Isso, é claro, não reduz a zero as alternativas para o povo palestino, como sonham tantos líderes sionistas. Um único Estado democrático (não o Estado bi-nacional), no qual todos os cidadãos tenham direitos e deveres iguais seja qual for a religião ou a origem étnica, é uma alternativa à tentativa de obrigar os palestinos a aceitar a escravidão sob ocupação e o regime do apartheid, sob a forma de um frágil governo autônomo num arremedo de Estado.

Seja como for, e queiramos criar um Estado realmente independente e soberano ou um simples Estado democrático – alternativas que, ambas, Israel rechaça com igual veemência –, nada será jamais possível sem, antes, denunciar e destruir o sistema do apartheid. Para isso, é preciso estratégia.

Em vez de nos deixar dividir prematuramente entre os que preferem "Dois Estados" e os que preferem "Estado Único", temos de nos unir em volta de um objetivo comum, que tem de ser alcançado antes de que se possa discutir qualquer outro objetivo: temos de formular e implementar uma estratégia para lutar contra a ocupação, o apartheid e a discriminação racial.

Isso feito, estaremos preparados para outro passo, absolutamente necessário nesse momento: sair do mundo dos slogans para o mundo do ativismo e da militância, com planos estratégicos viáveis que mobilizem os manifestantes contra o muro, intelectuais, políticos e outros setores da sociedade.

É mais que tempo de aprender que negociações e façanhas diplomáticas não nos livram das cadeias e dilemas da luta em que estamos. Há uma estrada que leva a um objetivo: a liberdade do povo palestino. Nada é mais digno ou mais nobre que seguir por essa estrada, até o fim. Essa é tarefa imediata, que já não se pode adiar.

Talvez devêssemos adotar o slogan dos que lutaram na África do Sul: "Liberdade agora, para a nossa geração!"

Autor: Mustafa Barghouthi é secretário-geral da Iniciativa Nacional Palestina

O artigo original, em ingles, pode ser lido em:
http://weekly.ahram.org.eg/2009/960/op13.htm
Traduzido pelo coletivo Política para Todos
Recebido através da Rede Castorphoto.
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sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Max Altman: Infâmias não podem ficar sem resposta

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Max Altman

Infâmias não podem ficar sem resposta

O que leva os jornalistas Salomão Schvartzman e Zevi Ghivelder, lídimos representantes do ‘establishment’ judaico no Brasil e irrestritos defensores da política do governo israelense comandado por Benjamin Netanyhau a escrever o infamante artigo publicado na Folha de S. Paulo de 12 de agosto, sob o título “O antissemitismo de Chávez?” Um dos motivos é insistir em criar uma matriz de opinião de que ser contra a política belicista e expansionista do governo de Israel ou divergir do sionismo não passa de manifestação de antissemitismo. Ora, judeus pelo mundo afora, que se definem convictos como membros do povo judeu, muitos deles eminentes e provados defensores de soluções pacíficas e justas para os conflitos internacionais e lutadores contra o racismo, o antissemitismo e a discriminação, não compactuam com o sionismo e são acérrimos críticos das posições dos sucessivos governos israelenses face ao conflito Israel/palestinos.

A outra é criar, por razões ideológicas, através de ininterrupta campanha internacional, uma imagem negativa do presidente venezuelano que lidera um processo revolucionário que se opõe aos interesses das oligarquias e aos desígnios do império.

Muito recentemente, o governo de Israel se aliou a essa campanha. O chanceler israelense Avigdor Lieberman, em visita a países da região, afirmou exatamente em Bogotá, na Colômbia de Uribe – e não em Brasília, Buenos Aires ou Lima, capitais de países onde esteve – que unidades do Hezbollah e do Hamas estavam estabelecidas na região de La Guajira, Venezuela, o que Caracas desmentiu duramente. Talvez fosse em represália porque Chávez condenou o ataque de Israel a Gaza e rompeu relações, ou porque Chávez chamou a Colômbia de “Israel da América Latina” ou ainda porque a Venezuela mantém relações comerciais estreitas com o Irã.

E aí os jornalistas Schvatzman e Ghivelder se puseram a listar as provas do antissemitismo de Chávez. Citou um artigo ‘inquietante’ publicado na “Boston Review" de autoria de dois professores norte-americanos. “Eles relatam que no dia 30 de janeiro, 15 homens fortemente armados arrombaram a sinagoga Tiferet Israel, bairro Mariperez, em Caracas, onde saquearam seus pertences, rasgaram os rolos da Torá e outros objetos litúrgicos. Em seguida, grafitaram as paredes do templo com inscrições como “Morte para o maldito Israel”, “Fora judeus” e outras, tudo isso ao lado de desenhos de suásticas”. Acontece que a polícia local – e isto foi fartamente divulgado, inclusive pela imprensa israelense – acabou prendendo 11 dos assaltantes envolvidos, entre os quais 7 policiais. E o que se descobriu? Um dos dois vigias do templo fazia parte do bando e facilitou a entrada no prédio e que o chefe e autor intelectual do assalto era um ex-policial que durante quatro anos foi escolta do rabino-chefe da sinagoga. O bandido confessou que o objetivo era roubo e que as inscrições se destinavam a despistar as investigações. Todos eles continuam presos à disposição da justiça. Outros três continuam evadidos.

Noutra passagem, os articulistas atribuem a Chávez uma declaração já de quatro anos atrás, concluindo que “Hitler não teria concebido um texto mais abjeto.” Eis o que, segundo Salomão e Zevi, declarou Chávez: “O mundo tem bastante para todos, mas algumas minorias, tais como as descendentes do mesmo povo que crucificou Cristo e as que expulsaram Bolívar e, portanto, de algum modo o crucificaram, se apoderaram das riquezas do mundo”. (g/n) Foi difícil encontrar o texto original mas ao localizá-lo percebi não só a descontextualização – veteranos jornalistas, sabem como distorcer, descontextualizando – como também uma sutil falsificação. Foi um discurso pronunciado na véspera do Natal, no dia 24 de dezembro de 2005, numa entidade chamada “Manancial dos Sonhos”

Transcrevo em espanhol para não restar dúvidas: “Acabo de leer esta madrugada el último informe de la ONU sobre la situación del mundo y es alarmante ... que nunca antes ... en 2005 años nos hace falta Jesús el Cristo, porque ... Dios, la naturaleza es sabia, el mundo tiene agua suficiente para que todos tuviéramos agua, el mundo tiene riquezas suficientes, tierras suficientes para producir alimentos para toda la población mundial ... El mundo tiene para todos, pues, pero resulta que unas minorías, los descendientes de los mismos que crucificaron a Cristo, los descendientes de los mismos que echaron a Bolívar de aquí y también lo crucificaron a su manera en Santa Marta, allá en Colombia. Una minoría se adueñó de las riquezas del mundo, una minoría se adueñó del oro del planeta, de la plata, de los minerales, de las aguas, de las tierras buenas, del petróleo, de las riquezas, pues, y han concentrado las riquezas en pocas manos.”

Dias depois, questionado por jornalistas, explicou que evidentemente se referia ao imperador romano e seus agentes, como se referiu ao império colonial espanhol e seus agentes, e que como católico concordava com a decisão do Concílio Vaticano II que reviu a milenar acusação contra os judeus de terem crucificado Cristo.

Mais adiante referem-se ao “principal site chavista na internet, Aporrea que divulgou 136 textos de natureza antissemita.” O site Aporrea – Aliança Popular Revolucionária – é um jornal virtual trotsquista, e não chavista, que geralmente apóia o governo Chávez mas é também crítico. Recebe e publica uma grande quantidade de colaborações de seus leitores. Não li os 136 artigos mas aquele assinado por Emílio Silva, com tons antissemitas, foi retirado de publicação, com pedidos de desculpas, assim que o site foi alertado de seu conteúdo.

O artigo da Folha empenha-se em mencionar ações e publicações de “seguidores’, ‘grupos afinados’, ‘mídia chavista’, ‘agentes do governo’ tentando vinculá-los a Chávez, como se atos semelhantes não ocorressem em tantas partes do mundo, na França, Alemanha, Estados Unidos e mesmo no Brasil, sem que jornalistas de mesma orientação ideológica se apressurem em ligá-los aos respectivos governos. Citam textualmente declaração de Chávez em visita à China em agosto de 2006: “Israel critica muito Hitler. Nós também. Mas Israel tem feito coisas semelhantes àquelas que Hitler fez contra a metade do mundo e talvez ainda pior.”
A pontuação é diferente da apresentada pelos jornalistas, mas me vali do que à época foi publicado. Mas não é isto que partidos, organizações, personalidades, dirigentes políticos os mais diversos vem afirmando em suas condenações às ações militares do governo de Israel contra o povo palestino?

Finalmente, o artigo cita também o jornal “El Diário de Caracas” por ter publicado há 3 anos um editorial “um papel carbono da imprensa nazista”. Percorro há anos a imprensa venezuelana. Jamais me deparei com esse jornal. Para saber de sua orientação política pesquisei o Worldpress.org., neste classificado como liberal. O que tem Chávez a ver com a orientação editorial desse periódico?

Faço menção agora a um fato muito recente que põe por terra toda a argumentação caluniosa de Schvartzman e Ghivelder.
Há cerca de um mês Jack Terpins, presidente do Congresso Judaico Latino-Americano, acompanhado de Miguel Angel Moratinos, chanceler da Espanha, e de Nicolas Maduro, chanceler da Venezuela, visitaram exatamente a sinagoga Tiferet Israel, onde foram recebidos pelo seu diretor Abraham Levy Benchimol. Na oportunidade, o ministro Maduro transmitiu saudações do presidente Hugo Chávez a toda a comunidade judaica da Venezuela. O Sr. Jack Terpins, por sua vez, declarou textualmente: “Esta visita do chanceler Maduro à sinagoga fortalece o diálogo entre o governo venezuelano e a comunidade judaica.”

Essas informações não foram extraídas de algum site chavista, da televisão governamental chavista ou do Aporrea. Li-as num recente boletim oficial do ‘Congreso Judio Latinoamericano”. Que os senhores Schvartzman e Ghivelder o leiam com seus próprios olhos para terem idéia da enormidade que transmitiram ao leitor.

Max Altman
12 de agosto de 2009

Recebido através da Rede Castorphoto, colaboração da Dalva.

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quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Cabo Anselmo, o alcaguete do século XX


Reaparecimento do Cabo Anselmo após 45 anos

Por Jasson de Oliveira Andrade

O Cabo Anselmo, 67 anos, reapareceu depois de 45 anos vivendo clandestino. O motivo desse aparecimento foi para tirar impressões digitais em São Paulo para recuperar documentos. O que foi feito em 30/7/2009. O procedimento, segundo o jornalista Lucas Ferraz, em reportagem para a Folha (31/7), é para instruir o seu pedido de anistia, visando a ser indenizado como “vítima” do golpe de 64.

No artigo “O dito cabo Anselmo” (Folha, 4/8), Janio de Freitas escreveu: “Quem é esse Anselmo, que história verdadeira tem vivido há meio século e por que se decidiu a fazê-la são ainda segredos. Para os quais Anselmo pretende a reparação criada, entre outras, PARA AS SUAS VÍTIMAS” (Destaque meu). Aí é que entra a “misteriosa” vida de Cabo Anselmo, que vamos ver adiante.

Cabo Anselmo vivia escondido porque estava supostamente jurado de morte. O motivo dessa ameaça resultou de sua traição aos ex-companheiros, dedurando-os ao regime militar, precisamente ao delegado Fleury. Devido a essas delações, muita gente foi presa, torturada e, segundo ele mesmo declarou a uma revista, resultou na morte de “cem, duzentos” militantes de organizações de extrema esquerda, inclusive sua companheira, a jovem paraguaia Soledad Viedma, grávida dele.

[O jornalista e escritor Urariano Mota acaba de lançar o livro "Soledad no Recife" http://assazatroz.blogspot.com/2009/08/blog-post.html ]

Temeroso de vingança, ele se escondeu por 45 anos, só reaparecendo agora!Antes dessa traição, Cabo Anselmo, em 1964, era dirigente de uma entidade que reunia marinheiros. Ele comandou uma revolta considerada por vários analistas como estopim do Golpe militar daquele ano. Maria da Conceição Tavares, em “Fatos e mitos de 1964” (Folha, 28/3/2004), endossa essa opinião: “A sublevação dos marinheiros, quebrando a hierarquia militar, foi a gota d´água e o sinal para antecipar o golpe, deslocando a lealdade ao presidente [João Goulart, Jango] de quase todos os comandantes do Exército”.

Após o Golpe, Cabo Anselmo foi preso. Aí aconteceram alguns fatos estranhos, relatados por mim no artigo “Cabo Anselmo e o Golpe de 64” e que consta de meu livro GOLPE DE 64 EM SÃO JOÃO DA BOA VISTA, á página 222. Neste texto, mostrei que ele traiu seus companheiros, o que ficava comprovada sua traição após o Golpe.

No entanto, algumas declarações do Cabo Anselmo são fortes indícios que ele traiu antes de 31 de março de 1964.

Na entrevista dele ao jornalista Octávio Ribeiro, já falecido, na revista Istoé (28/3/1984), sob o título “Confissão do cabo”, Anselmo declarou sobre a sua fuga da prisão: “A chave da cela ficava na minha mão. A fuga veio com o pessoal da Polop (Organização Política Operária, grupo de esquerda que reunia trotskistas e militares)”. Adiante confessou: “Disse ao guarda de plantão que ia encontrar uma mulher e saí pela porta da frente. O pessoal da Polop me levou para São Paulo e de lá, de carro, fui para o Uruguai” (pág.27). Quem conhece a repressão daquela época (prisão, tortura e, muitas vezes, morte), não pode acreditar que o cabo Anselmo tivesse tanta facilidade (chave da cela na mão dele, bem como o guarda permitiu que ele saísse pela porta da frente para se encontrar com uma mulher!). Principalmente, como disse o jornalista Janio de Freitas no citado artigo: “Não, porém, para o maior incitador da rebelião [dos marinheiros antes do Golpe de 64] e das ameaças à oficialidade (...)”. Isto NUNCA iria acontecer, a não ser que ele era um auxiliar dos golpistas!
Em suma, pode não existir uma prova contundente da traição dele antes do Golpe, mas essas declarações, repito, são fortes evidências de sua colaboração já naquele período. Portanto, Cabo Anselmo não tem direito à indenização, que é uma reparação criada para atender, como afirmou Janio de Freitas, entre outras, as suas vítimas.
JASSON DE OLIVEIRA ANDRADE é jornalista em Mogi Guaçu (agosto de 2009)
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Leia também no diário espanhol...


Brasil

Cabo Anselmo e os neogolpistas

Fernando Soares Campos

La Insignia. Brasil, julho de 2005.

Janeiro de 1969. Eu contava lá com os meus 19 anos de idade. Foi nesse período que me apresentei a bordo do Submarino Bahia (S12) a fim de me incorporar à tripulação como marinheiro do serviço de máquinas. Como em todas as unidades militares da época, no Bahia havia diversos "secretas" (era como o pessoal denominava os agentes do CENIMAR - Centro de Informações da Marinha). Em qualquer setor de bordo, podia-se identificar pelo menos um deles. Eram, em geral, elementos do quadro subalterno, os quais faziam questão de exibir suas relações com oficiais de alta patente que os indicavam para aquelas funções de alcagüete. Na verdade, os "secretas" não passavam de colaboradores voluntários dos serviços de informação. Em troca dos seus préstimos, invariavelmente conseguiam transferência para servir em unidades de suas preferências.

Leia completo usando o link...

http://www.lainsignia.org/2005/julio/ibe_074.htm

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