sábado, 15 de agosto de 2009

PressAA: Pelo fortalecimento da solidariedade internacional ao povo palestino

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"Liberdade agora, para a nossa geração!"

Os palestinos só têm duas escolhas possíveis: ou continuar a evitar a luta, como alguns têm tentado fazer, ou contribuir para a decisão coletiva nacional de engajar-se na luta.

A opção pela luta não implica necessariamente a via das armas. Em matéria de violência armada Israel tem vantagem flagrante, tanto de armamento convencional quanto de armas nucleares. Os países árabes que têm Israel como vizinho próximo não têm nem os meios nem as competências necessárias para escolher a via militar. Contudo, a incapacidade para declarar guerra não implica rendição automática nem implica desistir de outros meios de luta.

Por mais poderoso que seja em termos militares, Israel tem dois grandes pontos muito fracos.

Primeiro, ninguém consegue impor soluções políticas pela força das armas a um povo determinado a sustentar luta de resistência. Essa impossibilidade foi amplamente demonstrada em duas guerras de violência extrema que Israel moveu contra o Líbano e, mais recentemente, no assalto que Israel tentou contra Gaza. Segundo, quanto mais os palestinos resistem sem retroceder, e quanto mais o fator demográfico vai ganhando peso como fator decisivo do conflito, mas claramente se pode ver que Israel é governo de apartheid hostil à paz. Se a limpeza étnica de 1948 e o expansionismo colonialista descrevem bem as circunstâncias que cercaram o nascimento do Estado de Israel, leis recentemente aprovadas, relacionadas à exigência de declarar fidelidade a um Estado judeu e que proíbem que os palestinos rememorem a nakba ["a catástrofe"] manifestam muito claramente o caráter essencialmente racista do Estado de Israel hoje.

Por ironia, no mesmo momento em que Israel alcança o ponto máximo do empenho para dividir e fragmentar a unidade do povo palestino, com barreiras de segregação entre israelenses e não-israelenses, entre Jerusalém e a Cisjordânia, entre a Cisjordânia e Gaza e entre um setor e outro na Cisjordânia, por barreiras, muros, estradas exclusivas para judeus... os palestinos reunificaram-se e fortaleceram-se, ante as dificuldades e os muitos desafios que enfrentam. Tenham ou não a cidadania israelense, ou residam em Jerusalém, na Cisjordânia ou em Gaza, todos os palestinos são vítimas, sempre, da discriminação sistemática e do apartheid que caracteriza a ordem israelense.

Se a única via para superar a tragédia dessa ocupação é engajar-se na luta, os palestinos afirmamos que nosso movimento nacional de libertação continua vivo. Além disso, afirmamos também que a ação política e diplomática não é via alternativa contra a luta, mas é parte fundamental da gestão do conflito. De fato, a ação política e diplomática é um dos nossos instrumentos mais eficazes para denunciar a verdadeira natureza de Israel, para isolá-la politicamente e para conseguir que se imponham sanções internacionais contra Israel.

Nesse contexto, temos de questionar a teoria que recomenda construir instituições em país sob ocupação. Governo cujos serviços de segurança consumam 35% do orçamento público; que atue como policiais da ocupação, ao mesmo tempo em que contribui para implantar os esquemas de Netanyahu para uma "normalização econômica", em vez de encaminhar solução política, é governo claramente dirigido para promover a aclimatação ao status quo, não para transformá-lo.

Construir instituições de governo palestino e promover genuíno desenvolvimento econômico são metas que só se podem perseguir se enquadradas numa filosofia de "desenvolvimento de Resistência".

Essa filosofia fundamenta-se no duplo princípio de (1) dar suporte às potências do povo palestino para que sobreviva às durezas e à violência da ocupação e (2) reduzir a dependência dos financiamentos estrangeiros e da ajuda humanitária internacional.

O objetivo estratégico da luta dos palestinos, sob esses princípios, para construir um "desenvolvimento de Resistência" deve ser: "tornar tão altos, a ponto de serem insustentáveis para Israel, os custos da ocupação e do sistema do apartheid."

Se os palestinos aceitarem essa formulação e esse curso de ação para organizar a luta, o passo seguinte, então, será adotar uma estratégia nacional unificada a ser construída sobre quatro fundamentos:

1. Resistência. Sob todas as suas formas, a resistência é direito internacionalmente reconhecido dos palestinos. Sob a estratégia que aqui se constrói, porém, é indispensável que a resistência assuma traços de movimento de massas e de resistência pacífica, que servirá para fazer reviver a cultura de ativismo coletivo em todos os setores do povo palestino e, assim, impedir que a resistência converta-se em monopólio de pequenos grupos e favorecer que cresça com ímpeto e potência. Já há modelos desse tipo de resistência.

Deve-se registrar, por exemplo, a campanha persistente e valente contra o Muro da Separação, que já se espalha para várias cidades e vilas, que já ofereceu cinco mortos à causa da Palestina e que se fortalece mais a cada dia. A resistência dos que vivem em Jerusalém Leste e Silwan contra a demolição de casas pelos soldados israelenses e de resistência contra a tentativa de judeicizar cidade também é modelo heroico. Mais um exemplo promissor pode ser encontrado, também, no movimento de boicotar os produtos produzidos por Israel e estimular o consumo de produtos produzidos localmente. Além de impedir que o poder ocupante embolse os lucros da venda de produtos produzidos localmente, essa modalidade de resistência pode alcançar amplas porções da população, e fazer acordar a cultura e o espírito de colaboração local comunitária.

As campanhas para quebrar o bloqueio contra Gaza – por exemplo, os barcos de ativistas e militantes pró-Palestina livre, as caravanas que trazem suprimentos e todos os modos de pressionar Israel para que ponha fim ao estrangulamento econômicos de Gaza – são também modalidades importantes da Resistência.

2. Apoiar e estimular o caráter nacional da Resistência. Esse fundamento visa a fortalecer o poder demográfico do povo palestino, para que os milhões que somos convertam-se em poder efetivo de movimento de massas. Para isso, é preciso satisfazer as necessidades essenciais de sobrevivência dos palestinos, de modo a que possamos continuar resistindo; e desenvolver os recursos humanos palestinos como fonte e base de uma economia palestina forte e independente.

Para que isso seja possível, é preciso modificar o projeto econômico e o orçamento da Autoridade Palestina (AP), de modo a que passem a visar prioritária e diretamente à educação, saúde, agricultura e cultura; hoje, 1/3 do orçamento nacional é consumido para tentar garantir uma sempre impossível segurança.

Por exemplo, a imediata aprovação da lei que cria o fundo para a educação superior na Palestina é fator importante para atender às necessidades de centenas de milhares de jovens adultos. Além de elevar e desenvolver os padrões da formação universitária, servirá também para sustentar o impacto positivo da contribuição internacional para o desenvolvimento e para finalidades humanitárias imediatas. O fundo para a educação superior também diminuirá a carga que pesa sobre mais de 150 mil famílias que pagam para manter os filhos na universidade; porá fim ao nepotismo reinante na alocação de bolsas de estudo e empréstimos 'educacionais'; e democratizará as oportunidades de acesso à universidade para todos os adultos jovens, homens e mulheres, de todas as categorias sociais. Outras ideias inovadoras e criativas podem ser implantadas em outras áreas da educação palestina, para estimular o avanço em termos de saúde pública, agricultura e cultura, com vistas à meta de desenvolver recursos humanos atualizados e efetivos, indispensáveis para a construção de um Estado palestino tão autônomo quanto possível e, assim, capaz de enfrentar pressões, por maiores que sejam.

3. Unidade nacional e liderança nacional unificada. Esse objetivo estratégico implica reestruturar a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) a partir de uma base demograficamente mais representativa, e implementar acordos já construídos nos diálogos nacionais palestinos realizados no Cairo. Ao longo dos últimos poucos anos, o peso da maior vantagem relativa de Israel e a violência desse assalto foram reforçados pela fragilidade das lideranças palestinas, frágeis porque divididas. Para corrigir esse vício, os palestinos temos de adotar outra abordagem e outro modo de ver a realidade.

Especificadamente, os palestinos temos de abandonar a prática e a mentalidade que nos faz insistir em competir pelo poder de um governo já subjugado pelo peso da ocupação, seja na Cisjordânia seja em Gaza. Os palestinos temos de desistir da ilusão de que um poder militar palestino, por maior que possa vir a ser, seria capaz de, sozinho, liderar a luta de libertação dos palestinos.

Os palestinos temos de abraçar a democracia e práticas e processos democráticos pluralistas como modo de vida, como meios de autogoverno e como as únicas vias aceitáveis para decidir nossas disputas e diferenças. Temos de resistir a todas as pressões e tentativas externas (sobretudo às que venham de Israel) de intervir em nossos assuntos internos e de distorcer o desejo do povo palestino. Temos de construir e manter convicção inabalável no direito dos palestinos à autodeterminação e à independência nacional.

A tarefa mais difícil, hoje, para os palestinos, é construir liderança unificada e laços estratégicos entre todos, de modo que nenhuma decisão política ou militar seja decisão apenas de uns, e de modo que nenhum grupo, separadamente, tenha o monopólio do poder para decidir. Assim criaremos liderança e estratégica unificadas que nos habilitarão a agir contra o bloqueio como força unificada, em vez de fugirmos da unidade, por medo do bloqueio. Com liderança e estratégia unificadas assumiremos as rédeas da iniciativa que, hoje, é sempre de outro; assim poderemos coordenar as reações, em vez de apenas saltar de uma reação a outra; assim, também, todos poderemos concentrar energias para fazer acontecer o que desejamos que aconteça, em vez de desperdiçarmos energias em disputas internas nas quais todos os grupos buscam auxílio externo para fortalecer suas respectivas posições em disputas internas.

Só depois de termos liderança nacional unificada poderemos alterar a equação que subordinou o movimento de libertação nacional aos interesses estreitos da Autoridade Palestina (na Cisjordânia e em Gaza). Só então conseguiremos converter a Autoridade Palestina em instrumento a serviço do movimento nacional de libertação.

4. Construir e estimular um movimento internacional de solidariedade aos palestinos, que trabalhe também para impor sanções a Israel. Esse movimento já existe e nunca parou de crescer. Mas é preciso esforço gigantesco para organizar adequadamente as iniciativas de modo a que alcancem com a máxima efetividade o maior número possível de autoridades com poder de decisão, sobretudo na Europa e no Ocidente. Comunidades palestinas, árabes e muçulmanas têm de ser organizadas para trabalhar, todas, na direção de objetivos comuns. O movimento de solidariedade já alcançou alguns sucessos significativos, com a organização de boicote aos produtos israelenses; com a decisão, tomada pela Federação de Universidades Britânicas, de não acolher intelectuais israelenses; e com a decisão, tomada pelo Hampshire College e algumas congregações religiosas nos EUA, que se recusam a fazer investimentos em Israel. Mas é preciso trabalhar muito mais para aumentar a abrangência dessas atividades e aumentar o alcance do movimento internacional de solidariedade aos palestinos.

O sofrimento do povo palestino, que Nelson Mandela descreveu como o mais difícil desafio para a consciência humanitária internacional, assemelha-se muito ao que se via acontecer na África do Sul no início dos anos 80s. Foram necessários muitos anos de trabalho unificado, antes de o movimento de libertação da África do Sul, afinal, conseguir atrair a solidariedade de governos e governantes. O momento decisivo aconteceu quando grandes empresas perceberam o quanto lhes custava negociar com o regime de apartheid de Pretoria; quando esses custos tornaram-se insustentáveis, o apoio daquelas empresas mudou de direção.

No caso da Palestina, o sucesso de um movimento internacional de solidariedade depende de três principais fatores. Primeiro, de atenta e cuidadosa organização e planejamento detalhado; de alto grau de disciplina e de coordenação cuidadosa. Segundo, de retórica racional, civilizada, que não se deixe enredar nas táticas de provocação de Israel. Terceiro, de aproximação e contato com movimentos progressistas em todo o mundo – inclusive com judeus antissionistas e todos quantos se oponham às práticas genocidas do governo israelense.

Sei que não há muitas novidades no que aqui proponho. Mas, embora sejam ideias já conhecidas, poucas delas foram até agora postas em prática. Para pôr em prática o que aqui proponho é preciso operar a partir do princípio de que, embora a causa palestina seja causa palestina, árabe e muçulmana, é também e sobretudo uma causa humanitária que clama pela solidariedade de todos que, em todo o mundo, prezam os valores e os princípios humanitários.

O sucesso dos que lutaram pela liberdade na África do Sul, nos movimentos contra a guerra do Vietnam e nas campanhas pela independência da Índia foi consequência, sobretudo, da capacidade que aqueles movimentos tiveram para gerar uma voz de solidariedade universal. Temos de conseguir isso também a favor do povo palestino. Nossas palavras-de-ordem por um movimento de solidariedade com o povo palestino têm de ser "contra o novo apartheid e o racismo sistemático" e "pela justiça e o direito à liberdade".

A Corte Internacional de Justiça já se manifestou sobre a ilegalidade do Muro da Separação, sobre a ilegalidade das colônias exclusivas para judeus e sobre a ilegalidade de qualquer intervenção na cidade sagrada de Jerusalém. Esses são preciosos precedentes jurídicos que as instituições dos governos palestinos ignoram há quatro anos. Essas manifestações da CIJ devem ser nossa plataforma na luta para impor sanções contra Israel, exatamente como a resolução da ONU contra a ocupação da Namíbia foi plataforma a partir da qual se construiu a campanha contra o sistema do apartheid na África do Sul.

A estratégia de quatro faces delineada acima, que é a estratégia proposta pelo Movimento da Iniciativa Nacional Palestina (Al Mubadara, http://www.almubadara.org/new/english.php), pode ser bem-sucedida se orientada por visão clara, paciência e persistência sistemática. Não espero obter aprovação unânime. Os interesses, combinados ao sentimento de frustração e desespero, esterilizaram o desejo de alguns, de engajar-se na luta ou de insistir no confronto contra Israel.

Também temos de reconhecer que alguns setores da sociedade palestina tornaram-se tão completamente dependentes de acertos e projetos precários que se construíram ao longo dos anos de ocupação e do socorro financeiro que recebem de fora, que não cabe esperar que se interessem por qualquer luta que vise a mudança real. Tudo isso considerado, a estratégia ampla aqui proposta responde aos interesses da vasta maioria do povo palestino e carrega uma promessa realista de melhor futuro.

A luta nacional palestina já passou, até aqui, por duas grandes fases: a primeira, conduzida pelos palestinos da diáspora, ignorou o papel dos palestinos que vivem na Palestina; e a segunda, conduzida pelos palestinos que vivem na Palestina, ignorou o papel dos palestinos da diáspora.
Estamos hoje no início de uma terceira fase, na qual temos de combinar a luta em casa, a campanha dos palestinos da diáspora e, também, o trabalho de todos quantos, em todo o mundo, se solidarizem com essa luta.

Para encerrar, gostaria de comentar a questão dois "Dois Estados" ou do "Estado Único". Parece-me válido levantar a questão aqui, tanto por motivos teóricos quanto por interesse prático, por dois motivos. Primeiro, porque Israel trabalha insistentemente para minar a possibilidade de criar-se qualquer Estado palestino, insistindo sempre na repetição dessas fórmulas que sempre implicam ou um Estado apenas provisório, ou um Estado sem real soberania. Segundo, porque as mudanças já consumadas pela construção de colônias israelenses e de estradas de ligação entre elas exclusivas para israelenses, já tornaram irrealista qualquer possibilidade de haver qualquer Estado palestino viável.

Alguns, sobretudo palestinos da diáspora, entendem que deixar de exigir a solução "Dois Estados" e passar a exigir a solução "Estado Único" seria aceitar algum remédio que oferece algum alívio. Qualquer remédio talvez pareça melhor que nenhum remédio; mas que não se espere qualquer alívio. Frases, rótulos e slogans jamais puseram fim a lutas de libertação. Slogans sem estratégia e muito empenho são e continuam a ser só desejo – e, em muitos casos, são apenas modos elegantes de não assumir qualquer responsabilidade e livrar-se do correspondente (muito) trabalho.

Sejamos bem claros. Israel já trabalha em tempo integral para destruir qualquer possibilidade de que algum dia haja qualquer Estado palestino; não há, de fato, qualquer possibilidade real de implementar a solução "Dois Estados". Isso, é claro, não reduz a zero as alternativas para o povo palestino, como sonham tantos líderes sionistas. Um único Estado democrático (não o Estado bi-nacional), no qual todos os cidadãos tenham direitos e deveres iguais seja qual for a religião ou a origem étnica, é uma alternativa à tentativa de obrigar os palestinos a aceitar a escravidão sob ocupação e o regime do apartheid, sob a forma de um frágil governo autônomo num arremedo de Estado.

Seja como for, e queiramos criar um Estado realmente independente e soberano ou um simples Estado democrático – alternativas que, ambas, Israel rechaça com igual veemência –, nada será jamais possível sem, antes, denunciar e destruir o sistema do apartheid. Para isso, é preciso estratégia.

Em vez de nos deixar dividir prematuramente entre os que preferem "Dois Estados" e os que preferem "Estado Único", temos de nos unir em volta de um objetivo comum, que tem de ser alcançado antes de que se possa discutir qualquer outro objetivo: temos de formular e implementar uma estratégia para lutar contra a ocupação, o apartheid e a discriminação racial.

Isso feito, estaremos preparados para outro passo, absolutamente necessário nesse momento: sair do mundo dos slogans para o mundo do ativismo e da militância, com planos estratégicos viáveis que mobilizem os manifestantes contra o muro, intelectuais, políticos e outros setores da sociedade.

É mais que tempo de aprender que negociações e façanhas diplomáticas não nos livram das cadeias e dilemas da luta em que estamos. Há uma estrada que leva a um objetivo: a liberdade do povo palestino. Nada é mais digno ou mais nobre que seguir por essa estrada, até o fim. Essa é tarefa imediata, que já não se pode adiar.

Talvez devêssemos adotar o slogan dos que lutaram na África do Sul: "Liberdade agora, para a nossa geração!"

Autor: Mustafa Barghouthi é secretário-geral da Iniciativa Nacional Palestina

O artigo original, em ingles, pode ser lido em:
http://weekly.ahram.org.eg/2009/960/op13.htm
Traduzido pelo coletivo Política para Todos
Recebido através da Rede Castorphoto.
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PressAA
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