domingo, 19 de julho de 2009

Raul Longo e Luis Fernando Sarango: entre paralelos e meridianos (ou vice-versa)

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Raul Longo

Espiei e já me registrei, além de repassar pruns quantos correspondentes que, creio, também se interessarão.

A maravilha da internet é que podemos formar uma rede de informações por todo o continente. Tenho conversado com velhos e novos companheiros e percebemos que estamos todos muito dispersos, geograficamente. Processo que se iniciou lá na ditadura e teve continuidade nos governos subsequentes, mas em comum sentimos que agora, mais estabilizados nos tantos lugares por onde nos espalhamos, é momento de retomarmos do ponto onde paramos, em todas essas questões de conhecimentos e culturas populares.

A dificuldade maior são as dispersões naturais dos grandes centros, mas muito reconhecem a necessidade de objetivar dois pontos específicos e por si já bastante complexos: conscientização coletivista com formação de lideranças embasadas na realidade política e sócio-cultural brasileira e a construção de identidade continental, ou identidades continentais. Não como padrão de comportamento, claro! Isso seria impossível e contrário aos nossos ideais. Não queremos identificações supérfluas que contraponham brios e vaidades chauvinistas. As identificações que desejamos é dentro das riquezas de nossas diversidades históricas e culturais.

Para tudo isso precisamos reaprender e iniciamos com pesquisa e informação para nossa própria formação.

Aparentemente o primeiro ponto é mais simples, mas além da considerável extensão territorial, o Brasil talvez tenha sido o país de maior ruptura com o processo evolutivo de sua cultura e suas relações comunitárias. Na Argentina, por exemplo, é mais fácil se resgatar estas relações e cultura do que aqui, na medida que as rupturas ocorreram incisivamente em Buenos Aires e alguns outros centros maiores, enquanto no Brasil atingiram praticamente todos os meios urbanos dos mais diversos portes e em todos os segmentos sociais.

Já a identidade e o comprometimento continental terá de ser construído mesmo, pois a identificação do brasileiro, ainda que se estenda à África, tem grande dificuldade, quase indisposição, ao reconhecer-se igualmente indígena. E daí uma resistência à desconstrução do europeísmo e ao assumir de uma integração continental americana.

Mas não se trata de resistência intelectual. É mero preconceito, e construído. Não por motivos conscientes. Nem mesmo chega a ser exatamente uma resistência, mas sim uma ausência imposta e que se denota quando tiramos do brasileiro os referenciais europeus. Ele se perde, torna-se inseguro, é como se o deixasse nu.

Aqui mesmo sinto isso quando argumento que não existe isso de cultura açoriana, o que há é uma cultura portuguesa oriunda dos celtas que algum momento emigrou para os Açores, diferindo-se da de Portugal apenas pela interrupção de um processo que lá teve prosseguimento. Através dessas conversas de internet com demais companheiros, percebo que esse meu procedimento não é correto, pois essa desconstrução de mito precisa ser preenchida com a realidade, do contrário só terei um resultado esvaziado e fragilizado.

Tenho usado o Manezinho em contraposição ao Açoriano e na composição do Manezinho está a cultura indígena. Claro que não posso ser romântico e negar a miscigenação de ambas as culturas nessa composição, mas repasso que açoriano era o miserável expulso de Portugal pelas elites de lá, e mais tarde trazidos pra cá quando nos Açores se dava um genocídio pela fome. E aqui se reencontraram como seres humanos e se reconstruíram como comunidades, inclusive através do aprendizado das especialidades indígenas com a natureza local.

Provoco escândalo, perplexidade, dúvidas e desconfianças. E é aí que preciso ter as informações para demonstrar que aqueles exilados nos Açores não lhes foi repassado, pelos Portugueses, sequer os conhecimentos da pesca, pois as elites da época só se interessavam pelas grandes navegações predadoras de terras transoceânicas. Os colonos açorianos só vieram a utilizar a pesca como meio de subsistência adquirindo, aqui, os conhecimentos indígenas de canoagem. É um choque para os Manezinhos descobrirem que eles, como Manés, são superiores aos seus ancestrais em conhecimentos da atividade que desenvolvem cotidianamente.

Daí a importância de todas essas fontes, como essa da Universidade Intercultural, para que venhamos a algum dia, por mais distante, formar uma identificação como continentais e herdeiros da cultura desse continente. E não mero adendo de uma cultura decadente e igualmente esvaziada pelo mercantilismo e a industrialização cultural.

Estou repassando essa nossa conversa também para companheiros com os quais nunca discuti o assunto, na possibilidade de que se interessem e venham a participar colaborando com essa conversa. Pois o que se pretende no futuro é o planejamento de ações pelas quais perpassa, intrinsecamente, a defesa política dos governos populares de nossa América, mas com objetivo maior de promover nossa integração comunitária como brasileiros e latino-americanos. Por isso gostaria de, mais uma vez, lembrar que a história de sermos um continente de processo cultural ou social recente, em relação à chamada cultura ocidental de Europa, é pura balela. Como tal se comprova se lembrarmos que a chamada cultura latina não existe e sequer provém de uma etnia, como comenta o Jorge Lescano em análise que recentemente divulguei. Demonstra-se ali que diversas etnias desenvolveram os idiomas latinos a partir de uma imposição do Império Romano, assim como se desenvolveu o lunfardo e diversas outras variações dialetológicas em cidades portuárias como Buenos Aires.

A cultura romana não foi mais do que uma adaptação, quase colagem, da grega. A evolução de uma pra outra foi mínima, se é que houve. E se houve, decaiu-se em si mesma a ponto de ter de adaptar preceitos culturais religiosamente coercitivos de um de seus povos dominados, como estratégia para se manter através do Império Católico. Se manter na própria Europa e através de um longo período obscuro onde se retrocedeu a níveis culturais inferiores ao da Grécia Clássica. Uma involução da qual a Europa apenas se resgatou pelos 8 séculos de permanência moura na Península Ibérica.

Afora as galés greco-romanas e dos bárbaros vikings, os europeus só conheceram a navegação através dos Árabes. Colombo chega às Américas em 1484 e os últimos árabes foram expulsos em 1492. Os europeus encontraram entre Maias, Astecas e Incas implementos de urbanismos que desconheciam.

Todo os posteriores processos tão decantados como evolução cultural européia e imposto como padrão ao mundo, ou partiram da cultura grega clássica, ou do arabismo ibérico, quando não do aproveitamento de linguagens desenvolvidas por asiáticos e africanos. Após o direcionismo patrocinado pela catequização católica, o desenvolvimento cultural europeu apenas se dá pelo mecenato, igualmente dirigido, e após a Revolução Industrial por direcionismos de ideais classistas ou políticos, até a industrialização do século XX ao estágio no qual estamos, com consequentes deturpações nas comunidades humanas em todo o mundo e obliteração das populações transformadas em massas que divinizam e satanizam Michael Jacksons de acordo com os interesses das rédeas e cabrestos que degradaram a cultura a processo de manipulação de massas.

O futuro de toda nação depende antes do processo civilizatório de seus povos, do que de seus governantes, embora sejam estes que sempre impedem a evolução desse processo. Hoje, pela primeira vez na história do continente, temos na maioria de suas nações, governantes voltados para os interesses desses povos e, consequentemente, condições que jamais antes existiram para darmos início a esse processo que futuramente permita aos nossos filhos constituírem uma civilização, sobre os escombros dessa que vemos decair vertiginosamente entre todas as classes sociais em todas as concentrações urbanas.

O recente golpe político em Honduras é uma demonstração de que estamos atrasados no aproveitamento deste momento único da história do continente, e urge o início de movimentos que possibilitem o desenvolvimento de conscientização de nossos povos sobre seus destinos, com identidades nacionais e continentais. Por outro lado, é evidente que se trata de um processo cultural a ser vivenciado por mais de uma geração. Daí o que se pretende é formar grupos capazes de não se dispersar por inócuas discussões e questões ideológicas ou acadêmicas, ainda que se utilize dos conhecimentos e experiências adquiridas através das diversas linhas ideológicas européias, mas com objetivo único de desconstruir o mito da sub-raça primitiva e promover a valorização da diversidade cultural de todo o continente, para que em algum futuro possamos nos reconhecer como centro e sul-americanos com melhor compreensão do significado dessa realidade, do que o orgulho estadunidense em ser norte-americano, mesmo sendo apenas uma variação ou versão européia na América.

A Amawtay Wasi trabalha nesse mesmo sentido, a Universidade Florestan Fernandes do MST trabalha neste mesmo sentido, e certamente muitas outras entidades e grupo de pessoas trabalham neste mesmo sentido por todo o continente. Nosso pequeno grupo, por enquanto, apenas pretende reunir informações e detectar fontes, discutindo aspectos e propostas de ação que integrem novos interessados, além de procurar detectar e conectar essas tantas entidades e pessoas que, exatamente por terem sido dispersas, não só no Brasil, como por outros países do continente, hoje formam uma rede muito ampla de relações sociais que, sem necessariamente se conhecerem entre si, possam ir construindo um caminho para uma nova descoberta da América por aqueles que nela nasceram e não se contentam em ser meros sub-europeus.

Você é uma dessas pessoas que sabe que nossos avós destruíram as civilizações que aqui havia e, tampouco, conseguiram manter a própria civilização, mas que somente enriquecendo o que restou de útil da cultura de nossos avós com o que tenha restado da destruição da cultura real e continentalmente americana, poderemos algum dia substituir a degradação urbana de grandes, média e pequenas cidades em início de uma nova civilização.

Essa é a nossa utopia e, embora convictos de que esteja cronologicamente muito além de nós, assim como você através de seus livros, palestras e por suas relações e divulgação via internet, bem como tantos outros, creio formarmos um grupo que busca de alguma forma colaborar com a realização dessa utopia para a qual ainda tanto necessitamos estudar e discutir possibilidades de sistematização de condutas, procurando evitar dispersões desnecessárias e improducentes. Não se faz necessário relações diretas entre cada integrante desse grupo, mas agradece-se toda e qualquer informação, proposta e análise repassada, sendo o que nos ajuda a formarmos nossos argumentos para divulgação desses ideais.

E assim vamos nos construindo.

Beijo grande!

Raul Longo - Colaborador da AAA - PressAA



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Luis Fernando Sarango

Estimados compañeros y hermanos:


Este decreto me recuerda las fraces que se usaron en las primeras constituciones del estado nación llamado Ecuador. Constitución de 1830.

Artículo 68.- Este Congreso constituyente nombra a los venerables curas párrocos por
tutores y padres naturales de los indígenas, excitando su ministerio de caridad en favor de esta clase inocente, abyecta y miserable.

Cual es la diferencia que encuentran con este literal a), de la cláusula primera del Art. 1 de este Decreto 1780?.

a) A trabajar con todo el afan en pro del desarrollo, fortalecimiento de las culturas, evangelización e incorporación a la vida socio-económica del país, de todos los grupos humanos que habitan o habitaren dentro de la jurisdicción territorial encomendada a su cuidado, exaltando los valores de la nacionalidad ecuatoriana;

En un estado Plurinacional como es el Ecuador, a qué llaman desarrollo?. Pero aquí va lo más triste de este decreto, "...evangelización e incorporación a la vida socio-económica del país, ...". Acaso no es suficiente los 517 años de evangelización?. En un estado Plurinacional "evangelizar" es instaurar una determinada religión, imponer a los pueblos indígenas y negros como religión oficial del estado. Y la constitución en su Art. 1, no dice acaso que el Ecuador es una estado ... laico?.

"...incorporación a la vida socio-económica del país". Ya no estamos incorporados?. Supuestamente somos parte del estado nación Ecuador, hoy Plurinacional. A que nos quieren incorporar?.
El "integracionismo" como arma letal para acabar con lo diverso, con los pueblos indígenas a pretexto de civilización, creiamos ya superado. Este era y seguirá siendo el objetivo de los gobiernos de la larga noche neoliberal y o sorpresa retorna con fuerza en un Socialismo del siglo XXI?.

Claro está, hay que acabar con la diferencia incorporando a los bárbaros al mercado, haciéndolos ciudadanos al clásico estilo de la revolución francesa.

Gracias Revolución ciudadana.

Atentamente,

Luis Fernando Sarango - RECTOR DE LA UNIVERSIDAD INTERCULTURAL "AMAWTAY WASI"

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PressAA (tentando um palíndromo pós-moderno)

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