sexta-feira, 19 de março de 2010

OS ROYALTIES DO PETRÓLEO E DA PITOMBA


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Urariano Mota*

Aúltima votação do petróleo no Congresso Nacional gerou toda sorte de ignorância, casada e rimada com arrogância. A julgar pelo Jornal Nacional, teve início um combate do gênero todos contra o Rio de Janeiro. Segundo as imparciais reportagens, os estados da federação estariam tentando um assalto aos recursos naturais mais fluminenses que o Zé Carioca. No ar, além das imagens das lágrimas de Sérgio Cabral Filho, os brasileiros de todos os brasis viram fumaças de uma nova guerra de secessão. E com algumas ameaças: adeus, olimpíadas, adeus, Copa, adeus, colírio de nosso maior cartão postal. Mas se no parágrafo seguinte couber um breve recuo no tempo, veremos que o primeiro assalto foi cometido antes da votação, contra o espírito público.

Tudo começou com a proposta do governador Eduardo Campos, que sugeriu uma repartição mais justa – vale dizer, para todos os estados brasileiros - dos royalties do petróleo da camada pré-sal. Atenção, vocês leram bem: a idéia, ou a filosofia, como dizem os burocratas, era para os recursos do petróleo no pré-sal. Na proposta nada havia que mudasse as regras em vigor para os recursos mais cariocas que o Zé de Walt Disney. Em vigor? Sim, mas que balançaram depois das declarações do governador Sérgio Cabral, que se referiu a “roubo” dos royalties, quando ainda se discutia a partilha federativa das receitas do pré-sal. Então os 369 deputados “ladrões” responderam contra os 72 que julgavam ter eterno o velho vigor.

A coisa, já antes, tamanha era a arrogância, já havia descido a perigosa ladeira do deboche. Em artigo na Folha de São Paulo, em dezembro de 2009, Ruy Castro tentara o caminho da sátira, da graça, um gênero em que lhe faltam graça e talento. Assim falou Ruy, o biógrafo de Nelson Rodrigues:

"O Estado de Pernambuco é responsável por 85% da mangaba e da pitomba produzidas no Brasil. Um abençoado acidente geológico fez com que seu território fosse ideal para a exploração dessas frutas, que são boas de comer ou servem de base para sucos e sorvetes e respondem por boa parte da economia pernambucana....

Pois vamos supor que, de repente, o Rio, que só produz caju e banana, resolva unir-se a outros Estados que também não produzem mangaba e pitomba e, juntos, comecem uma campanha para que os royalties das ditas frutas destinados a Pernambuco sejam distribuídos por igual entre os Estados. A alegação é a de que Pernambuco não é dono do Brasil, que a mangaba e a pitomba pertencem a todos e que cabe à União socializar a dinheirama gerada por elas".

Ora, brincadeira tem hora. O insigne Ruy Castro, ao escrever com a tinta da galhofa, naquele dezembro não soube nem viu que essa pitomba "base para sucos e sorvetes” tem um caroço desproporcional, que atrapalha qualquer voo gastronômico. A sua polpa – da pitomba – é fina, grudenta e avara, agarrada ao caroço de um modo tal que prejudica os mais saborosos sucos e sorvetes. Não teria sido melhor que o colunista, naquele dezembro, tivesse visto alguma vez uma pitomba?

Mais: de onde Ruy teria retirado que, além de petróleo, o Rio só produziria caju e banana? O abacaxi, o coco e a laranja também mereciam e merecem um lugar no tabuleiro. E de que lugar ele concluíra, sei, era só um véu de alegoria, uma espirituosa aproximação, mas em que alegres trópicos as frutas pagariam royalties? Talvez nas terras em que pitombas pulassem na esteira rolante de indústrias revolucionárias. Sem caroço, limpas e puras, só polpa.

Voltando ao passado mais próximo, o fato é que Paulo Bernardo, o ministro do Planejamento, afirmou há poucos dias que “o pagamento dos royalties sobre as atuais reservas continua como está, mas haverá novas regras para as jazidas do pré-sal, em que todos os estados e municípios terão o mesmo direito. Não tem cabimento deixar que o petróleo explorado a 250 quilômetros da costa renda royalties para apenas um estado, um município”.

A essa declaração pública, o governador Sérgio Cabral faz de conta que não é com ele. Na hora em que esta coluna se publica, ele chama para um ato público pela sobrevivência dos royalties em vigor. E dos que virão, pois grande é seu particular espírito público. Mas para maior clareza ele deveria chamar também, em alto e bom português: “o petróleo é nosso, brasileiros, mas o nosso aí é do Rio de Janeiro”.


*Urariano Mota, escritor e jornalista, autor de “Soledad no Recife” (Boitempo – 2009) seu último romance, indicado como um possível livro do ano pelo conceituado site Nova Cultura, elaborado e administrado na Alemanha, com os destaques literários da CPLP - Comunidade de Países de Língua Portuguesa. É colunista do site Direto da Redação, edita o blog SAPOTI DE JAPARANDUBA http://urarianoms.blog.uol.com.br/

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Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

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