quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

REPÓRTER ENTREVISTA SOBRE FILOSOFIA

.


Urariano Mota*

Esta entrevista foi dada a uma jovem repórter de uma das revistas culturais do Brasil. Como não foi publicada, só me resta fazê-la pública nesta coluna. Acreditem, é tudo verdade.

Repórter - Comecemos, então, por essa onda de, digamos, popularização da filosofia: televisão, café filosófico, casa do saber, volta da disciplina às escolas. Acho que podemos começar a conversão, não é? Mais uma vez, obrigado pela atenção.

1. Como o senhor vê esse processo? É de fato uma tentativa de popularização, é uma necessidade ou estão tratando qualquer tipo de reflexão como filosofia?

UM - Você me faz perguntas que moram em lugar além da minha competência. Mas na medida da minha incapacidade, respondo: a filosofia ainda não está popularizada, mesmo nessa ‘onda’. Televisão, Café Filosófico, Casa do Saber (Daslu do Viver, se bem entendo). Ainda que possuam ‘formatos’, conteúdos diferentes, isso ainda não é filosofia, e muito menos a sua popularização. Até onde me lembro, e olhe que não sou tão jovem assim, o movimento dessa onda vem dos livros de autoajuda, de fórmulas de convivência (de aceitação do status do mundo), e atinge o que todo executivo, aspirante a executivo, burocratas dizem a respeito de qualquer concepção: ‘A ideia, a filosofia é...’. Isso é uma outra filosofia. Trata-se de uma dignificação do vulgar. ‘Sim, aceitamos o que o mundo é, aceitamos como o mundo se apresenta’, esses cursos insinuam, e tratam de palestras, dolce far niente, que ninguém é de ferro. Pelo que sei, pelo que lembro, pois lembrar a experiência é um saber, a filosofia esteve popularizada entre os jovens, entre os estudantes, nos anos de militância contra a ditadura militar. Duvida? Veja como se expressam, como expõem suas idéias os sobreviventes da época. Todos, quase todos discutiam Sartre, Lukács, Marx, Hegel, para viver – o que não era bem um viver bem. Muitos desses jovens filósofos foram assassinados.

Repórter - O que é filosofia, afinal?

UM - Eu lhe respondo como a sinto: para mim, filosofia é a mais alta reflexão sobre o mundo. Ela responde a dúvidas de especialistas, até mesmo sem o conhecimento dos especialistas. No começo do século XX, a Física, diziam os mais doutos físicos, estava no fim, porque se havia descoberto a partícula última do átomo. Foi preciso que um pensador, de nome Lênin, repusesse as coisas nos seguintes termos: “Pesquisem, pesquisem mais. A realidade é inesgotável”. E se viu depois o quanto ele estava e está certo.

Repórter - Toda reflexão é filosofia?

UM - Acredito que essa pergunta foi respondida antes.

Repórter - É possível ampliar o ensino da filosofia, levá-la à periferia, por exemplo, ou num país de ensino precário filosofar é elitista?

UM - A filosofia é tão elitista quanto saber ler. É tão elitista quanto saber pintar. E pessoas do povo leem, pintam e nos ensinam, todos os dias. É claro que é possível levar a filosofia ao mundo periférico – que precisa mais desse conhecimento poderoso que os frequentadores da Casa do Saber. Para o mundo dos excluídos, é uma questão de sobrevivência – pensar, refletir, organizar o mundo, organizar-se, propor e discutir alternativas ou superação.

Repórter - Por que é importante ampliar o acesso ao aprendizado da filosofia? Para que serve a filosofia?

UM - Acredito que Marx já respondeu sobre isso. A filosofia serve para transformar o mundo.

Repórter - O que o senhor não gostou no quadro Ser ou Não Ser, do Fantástico?

UM - O ‘Ser ou não Ser’, que deveria se chamar ‘Necas de filosofia’, retirou o seu maior dano do fato de vender uma falsificação, uma miséria da filosofia como se fosse um pensar filosófico. O tempo dele era curto, curtíssimo, para a reflexão – qualquer reflexão. O quadro entrava no programa como uma notícia no Jornal Nacional – você chora por um desastre e no segundo seguinte sorri para o samba na avenida. Nele, conceitos datados, visões superadas pela história, apareceram como um pensamento moderno, novíssimo.

Repórter - O que o senhor acha de iniciativas como a Casa do Saber, instalada no Rio e em SP, que oferece cursos com figuras do ´pensamento` nacional, a preços bem salgados?

UM - A indigência intelectual da elite quer ilustração, melhor dizendo, quer o status de ilustrada. Assim como compram quadros de arte por metro quadrado, vinhos para os quais não têm nem educação, querem se mostrar ilustrados, mencionar o nome de Sócrates entre um importado e outro. O público dos cursos forma um cadastro vip. Um ótimo arquivo para a fiscalização da Receita Federal”.

E mais não me foi perguntado.


*Urariano Mota, escritor e jornalista, autor de “Soledad no Recife” (Boitempo – 2009) seu último romance, indicado como um possível livro do ano pelo conceituado site Nova Cultura, elaborado e administrado na Alemanha, com os destaques literários da CPLP - Comunidade de Países de Língua Portuguesa. É colunista do site Direto da Redação, edita o blog SAPOTI DE JAPARANDUBA http://urarianoms.blog.uol.com.br/

Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

.

PressAA

.

Nenhum comentário: